24/3/2006 da Redação
O Grupo de Trabalho I (GTI) iniciou uma rápida discussão sobre as sementes suicidas e decidiu manter a proibição de fazer plantações, comerciais ou experimentais, de plantas que utilizem tecnologias genéticas de restrição e uso, as GURTs.
As GURTS, mais conhecidas como 'Terminators', foram debatidas hoje, após um dia de atraso nas discussões e agendas da COP-8. A comercialização e pesquisa dessas sementes foram restringidas novamente na pauta da Convenção sobre a Biodiversidade, mesmo sendo uma das recomendações do relatório do grupo permanente de trabalho da CDB - criado para discutir acesso a recursos genéticos e repartição de benefícios - e mesmo contrariando países como Nova Zelândia, Austrália, Canadá e Estados Unidos (que acompanha a COP apenas como observador). Este grupo de países tenta uma abertura na pauta para que fossem discutidos a utilização das tecnologias Terminators avaliado-se caso a caso, o que significaria avaliação por cada país e acordos bilaterais.
A Noruega, grande motivador da restrição de uso "total" dessa tecnologia comemorou a indicação do GTI com a não aprovação do uso das sementes suicidas, sendo apoiada pelo Brasil. A próxima etapa dessa discussão e referendo sobre as Terminators acontece durante a reunião de ministros do Meio Ambiente, que vai de segunda (27/3) até o dia 31 de março, pois não houve consenso e, na Convenção, nenhuma decisão é tomada sem a aprovação de todas as Partes.
A CDB e as sementes suicidasAs sementes suicidas estão sendo amplamente discutidas na Convenção sobre a Biodiversidade – CDB desde o ano 2000. Nesse ano as Partes concordaram com uma moratória sobre testes a campo e comercialização das
Terminators.
A história da Convenção nos conta que há seis anos, governos da África, Ásia e América Latina lutam para manter viva a moratória, mas enfrentam grupos economicamente poderosos, como a Austrália, Nova Zelândia e o Canadá, que têm tentado, ferozmente, introduzir modificações no texto da Convenção, para derrubar a moratória.
Esses três países, segundo se comenta nos corredores da COP, estão sendo apoiados e encorajados pelos Estados Unidos. E mais: estão atendendo ao desejo do "Tio Sam", que participa da CDB somente como observador, não tendo peso efetivo nas definições e discussões.
EUA, Iraque e Brunei são os únicos dos 191 países membros da ONU que não fazem parte da Convenção.
Os países que apóiam a derrubada da moratória – Austrália, Nova Zelândia e Canadá - já ganharam um apelido entre as Partes: o "Trio Terminator", que nesse ano, na COP-8, ganha um novo peso, o Reino Unido que, mesmo fazendo parte da União Européia, se posiciona contrário às definições dos outros países da UE e se coloca ao lado dos amigos Terminators.
A posição dos países não expressa opinião da população A Campanha Terminar Terminator (ou Ban Terminator) divulga os números do abaixo assinado realizado em diversos países, inclusive no Canadá, onde 50.000 canadenses enviaram cartões de protesto para "Banir Terminator" ao Primeiro Ministro Stephen Harper. Fizeram também diversos protestos em Montreal, sede do Secretariado da CDB e, no último dia 20 de março, um evento público chamado "Terminator em juízo" marcou efetivamente a posição os movimentos sociais canadenses contra as sementes suicidas, tendo o jornalista Bob Carty, patrocinando o evento em Ottawa, enviado câmeras para Curitiba, na COP-8, para enviar imagens ao vivo das reuniões que aconteciam no Brasil, ao mesmo tempo em que o povo ia para as ruas pedir a manutenção da moratória sobre a Terminator.
A união nacional de produtores agrícolas (UP), que representa 44.000 agricultores de Quebec, e a união nacional de agricultores, junto com os produtores de orgânicos do Canadá, se opõe claramente ao sistema Terminator. Na última semana, os 200.000 membros da Federação Canadense de Agricultura aprovaram uma resolução crítica, exigindo uma avaliação dos impactos da Terminator sobre os agricultores. Os pedidos não foram atendidos pelo governo.
Na Austrália os representantes da sociedade civil se encontraram recentemente com o gabinete do ministro da agricultura do país, recebendo como resposta uma evasiva desculpa de que o governo da Austrália não tem uma política formal sobre o assunto "Terminator".
Já na Nova Zelândia, o Conselho de Sustentabilidade do país, conseguiu documentos sobre informações oficiais que mostra que o país tem apoiado testes a campo e 'avaliação caso a caso' do Terminator desde fevereiro de 2005 e que representantes do ministro para assuntos estrangeiros e comerciais, estão ativamente envolvidos no lobby junto à CDB, para minar com a moratória sobre as sementes suicidas. Já a população da Nova Zelândia, contrariando o ministro Winston Peters, que diz não ter acordo nenhum sobre a Terminator, envia milhares de mensagens por email ao governo pedindo o banimento dessas sementes.
Com relação ao Ministro Tony Blair, do Reino Unido, é sabido que ele está próximo à indústria biotecnológica, o que está fazendo com que a oposição do país ao Terminator se enfraqueça e que ele contrarie a posição da União Européia. O parlamentar trabalhista, Michael Meacher, ministro do meio ambiente até a assinatura da CDB 2000, escreveu ao seu sucessor pedindo que essa política seja abandonada, declaradamente, em Curitiba. " O Reino Unido deve demonstrar sua preocupação com a segurança alimentar global e ter uma posição forte na reunião da CDB, para assegurar que as sementes Terminator nunca verão a luz do dia". Aproximadamente 200 membros do Parlamento do Reino Unido, de partidos diferentes, assinaram uma moção pedindo para que a moratória da CDB sobre o Terminator, seja mantida, e houve um recente debate sobre o assunto no Parlamento.
ONGs e Movimentos Sociais pedem manutenção à moratória A moratória sobre as sementes suicidas foi acordada há seis anos firmando a proibição de campos experimentais e comerciais que usam sementes produzidas com a tecnologia Terminator.
Benedikt Haerlin, da campanha de Engenharia Genética do Greenpeace Internacional disse que alguns países junto às indústrias de biotecnologia querem colocar no texto da convenção um tipo de linguagem que, na verdade permitiria "caso por caso" desse tipo de tecnologia "o que abriria uma porta para a permissão de campos experimentais de terminators mesmo com a moratória mantida", explica. "Os Terminators são uma arma de destruição em massa que estará nas mãos das grandes empresas de biotecnologia para destruir a soberania alimentar do povo brasileiro. Precisamos estabelecer um limite para que os interesses das indústrias não se sobreponham a tudo e a todos" , disse.
No Brasil, estima-se que 70% dos 22 milhões de hectares de soja são plantados com sementes guardadas pelos agricultores e adquiridas no mercado paralelo de sementes. Se as Terminators fossem comercializadas e usadas nas sementes de soja, o custo estimado seria de US$ 276 milhões de dólares por ano, conforme explica a coordenação da Campanha Ban Terminator.
Maria José Bocchese Guazzelli, do Centro Ecológico e ativista da campanha diz que os agricultores em pequena escala são quem enfrentam as maiores ameaças dessas sementes suicidas, uma vez que sua habilidade de plantar e melhorar cultivos depende de selecionar e guardar sementes a cada ano . "Mais de 1,4 bilhões de pessoas no mundo dependem diretamente das sementes guardas de seu próprio cultivo como fonte primária de sementes. A troca dinâmica de sementes entre as comunidades e as pessoas estará ameaçada pelas tecnologias de esterilização de sementes ", comenta.
Para muitas comunidades locais e povos indígenas, a guarda de sementes está conectada com o conhecimento tradicional relacionado à biodiversidade – um dos temas principais da COP8, em Curitiba – e inerentemente ligada à prática das tradições culturais e espirituais, todas elas sendo ameaçadas pela tecnologia Terminator, nos diz a ativista mexicana Verônica Villa Arrais. "A indústria de sementes e biotecnologia quer o Terminator como forma de proteger as patentes corporativas sobre sementes, particularmente das sementes modificadas geneticamente, e forçar os agricultores a comprar sementes comerciais a cada safra".
Maria Guazzelli conta que um exemplo claro dos prejuízos – e do difícil controle sobre a disseminação das sementes suicidas – são os agricultores do Rio Grande do Sul. "Esses agricultores tinham certificação de produtos orgânicos, para a exportação, e perderam isso, ficando com altos prejuízos, porque suas plantações se contaminaram com sementes suicidas e eles não sabiam", conta. "Existe uma oligarquia de empresas que controlam essas sementes, essas grandes empresas compraram as pequenas, e assim, quando os produtores quiserem ser mais produtivos serão obrigados a comprar a Terminator, porque essas empresas já estão controlando todo esse mercado".
O paraguaio Miguel Louvera fala que não é difícil entender que o interesse de alguns governos ricos é promover a liberação dos Terminators. "O mercado mundial de sementes gira aproximadamente em US$ 23 bilhões de dólares de receita anual, mas fontes comerciais estimam que, se os agricultores não puderem guardar suas sementes e forem forçados a comprar novas, a cada safra, o mercado global de sementes poderia aumentar além dos US$ 45 bilhões".
Dados divulgados pela ETC demonstram que os produtores de soja, no Brasil, que agora estão usando sementes guardadas, oriundas de seus plantios, veriam os seus custos com sementes aumentar aproximadamente US$ 515 milhões por ano. "Os produtores de soja na Argentina pagariam um extra de US$ 276 milhões. Os produtores de trigo no Paquistão enfrentariam um aumento de preço de US$ 191 milhões, enquanto os produtores de algodão naquele país pagariam um adicional de US$ 30 milhões", diz Louvera. Ele ainda conta que os produtores de arroz nas Filipinas pagariam outros US$ 172 milhões e, as Terminators, trarão prejuízos também para países que o apoiam, como o Canadá, que custará aos seus agricultores um adicional de US$ 85 milhões por ano.
Além dos "acréscimos" apresentados no custo da produção, não consta no manual da tecnologia Terminator oferecido ao agricultor, o monopólio de mercados e suas conveniências. A alta e baixa nos preços de commodities tende a ficar ainda mais à deriva das decisões de mercado no qual agricultores não decidem apenas acatam. Na maioria dos países, incluindo o Brasil, a monocultura de commodities possui mais incentivos, portanto deverão ser ainda mais subsidiadas, representando dois pesos: aumento do destino público à incentivos agrícolas e aumento da concentração de riquezas.
Terminator: a solução perfeita para a indústria sobre o custo de quantas vidas?"Solicitamos a todos os governos nacionais e organismos internacionais que banam o Terminator de forma a assegurar que a tecnologia nunca seja testada a campo ou comercializada".
Esse é o pedido das 493 organizações, dos países da África do Sul, Alemanha, Argentina, Armênia, Austrália, Áustria, Bangladesh, Bélgica, Bolívia, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Costa do Marfim, Costa Rica, Egito, El Salvador, Equador, Eslovênia, Espanha, Estados Unidos, Etiópia, Filipinas, França, Guiné, Holanda, Índia, Irã, Irlanda, Itália, Japão, Líbano, Malásia, México, Nepal, Nicarágua, Nigéria, Noruega, Nova Zelândia, Panamá, Paquistão, Peru, Porto Rico, Portugal, Quênia, Reino Unido, República Dominicana, Romênia, Sri Lanka, Suécia, Suíça, Tanzânia, Uruguai, Venezuela e Zâmbia... ou seja, a maioria dos países têm se manifestado contra o Terminator e na defesa dos agricultores e da sua população.
Um fato curioso é que o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos e a Delta & Pine Land, a 11ª maior companhia de sementes do mundo, detêm, conjuntamente, três patentes da tecnologia Terminator. A Delta & Pine Land está, atualmente, testando a tecnologia em estufas. A Syngenta, a DuPont, a Basf e a Monsanto também detêm patentes com a tecnologia das sementes suicidas.
Outro fato curioso é a política adotada pela Suíça, país sede de outra corporação com grandes investimentos em biotecnologia, a Syngenta/Novartis. Tanto seu governo quanto sua população são contrários às sementes Terminator, sua comercialização, sua pesquisa e seu consumo, mas isso dentro do território Suíço. O país tem demonstrado, na CDB, explícita simpatia às causas da Nova Zelândia - a favor da avaliação caso a caso.
Isabel Bermejo, coordenadora da área de biotecnologia da Ecologistas em Ação, conta que na Argentina, os agricultores se negaram a pagar regalias a Monsanto pela soja transgênica patenteada, semeada nesse país há muitos anos, obrigando a companhia a recorrer a complicados procedimentos jurídicos para tentar cobrar seus direitos de patente. "Terminator seria a solução perfeita para a indústria evitar este tipo de dor de cabeça: se o problema do negócio das sementes é seu empenho em se reproduzir, eles precisam criar sementes estéreis, e ainda manter", diz.
"Seu desenvolvimento e comercialização, sem dúvida, seria catastrófico, em primeiro lugar, para as regiões mais empobrecidas do mundo, onde uma grande maioria da população pratica uma agricultura de subsistência e não se pode permitir o luxo de comprar sementes todos os anos", afirma Isabel.
A Biodiversidade (toda ela) em risco A coordenadora também diz que a Terminator não ameaça somente o meio de vida dos mais de 1.400 milhões de campesinos que dependem das suas sementes, como também a manutenção da enorme diversidade de variedades agrícolas conservadas nos campos dos agricultores, que são utilizados para a produção futura de alimentos. "Se a agricultura industrial supôs o desaparecimento de mais de 75% da diversidade agrícola durante o século XX, a comercialização de sementes suicidas terá uma repercussão nefasta para a agrobiodiversidade mundial".
Segundo a publicação "Concentración de la Indústria Global de Semillas – 2005"*, que destaca as onze companhias de sementes mais importantes do mundo, segundo o resultado das suas vendas computados em milhões de dólares, a Monsanto (USA + Seminis) fica em primeiro lugar, com 2.803. Bem colado a ela está a Dupont/Pionner (USA), com 2.600, depois a Syngenta (Suíça) com 1.239. A Bayer (Alemanha) fica em oitavo lugar, computando 387 e a Delta & Pine Land (USA) em 11º, chegando a 315.
O Dr. Ricardo Steinbrecher, estudioso das sementes suicidas, avaliou em seu artigo** sobre as Terminators, de março de 2005, que os modelos de esterilização genética de sementes, nunca será 100% efetivo ou seguro como um mecanismo de contenção de genes, porque não alcançará 100% de esterilidade da semente.
A propaganda da indústria, no Brasil principalmente a Monsanto, de que a Terminator é uma tecnologia para evitar o fluxo de genes, significa aceitar que a contaminação é um problema. O engraçado é que essas mesmas indústrias, responsáveis pela contaminação por essas sementes transgênicas, estão agora insistindo para que a sociedade aceite essa nova tecnologia Terminator, para tentar consertar esse problema da disseminação, invasão e mistura de sementes e plantas entre as convencionais e silvestres.
Woodrows Wilkins Jr, no seu artigo "D&PL storm losses top $1 million", de 30 de agosto de 2005, denuncia que nesse mesmo mês, o tornado que atingiu os EUA destruiu duas estufas da Delta & Pine Land e danificou outras. "Não se sabe se plantas Terminator estavam sendo testadas nas estufas ou que riscos de biossegurança, se houvessem, poderiam se apresentar, mas o acontecimento mostra que até mesmo esse tipo de contenção física, aparentemente segura, é vulnerável".
Jim Tomas, do grupo ETC, disse em Curitiba, que se os governos permitirem que as corporações utilizem a tecnologia Terminator, como tentativa de barrar a contaminação, poderão ser acelerados o desenvolvimento e os testes a campo de novas e controvertidas plantas transgênicas, que apresentam riscos adicionais à saúde humana, como as ervas utilizadas para fármacos. "O teste a campo dessas plantas é controverso, porque é impossível controlar ou reter organismos geneticamente modificados em experimentos a céu aberto. Os cientistas têm alertado que as plantas que são usadas como alimentos e forragem não deveriam ser modificadas geneticamente para produzir farmacultivos, porque a contaminação indesejada do suprimento de alimentos é virtualmente inevitável", explica.
"A tentativa das corporações que utilizam o Terminator como uma ferramenta experimental de 'biossegurança' para evitar que os genes de culturas transgênicas de alto risco se espalhem – tipo plantas de fármacos -, pode falhar. Ocorrendo isso, os agricultores na região que guardam sementes podem, sem saber, produzir alimentos contaminados com genes de plantas de produção de fármacos, as quais não são destinadas ao consumo humano e apresentam riscos à saúde e à segurança", conclui Tomas.
* Concentração da Indústria Global de Sementes, 2005, Grupo ETC.
** Dr. Ricardo Steibrecher, "Why V-GURTs (terminator) the answer to transgene contamination?", EcoNexus. Originalmente preparado para o "EU-Índia Dialogue Study on Biotechnology, Biosafety and IPRS in the Context of Globalisation", março 2005.
*** Outras fontes consultadas: Campanhas – Ban Terminator, Terminar Terminator, Via Campesina, Greenpeace, Grupo ETC, Centro de Informações de Biossegurança, Ecologistas em Acción.
Por Paula Batista e Clarissa Taguchi.