Os novos povos da floresta
26/3/2006 da Gazeta do Povo
Jovens fazem de militância ecológica causa de vida e rompem com protocolos de conferências.
Cláudia Maciel, 18 anos, secundarista, descobriu muito cedo que era preciso ser brava gente para defender a Floresta Amazônica – seu endereço desde o dia em que nasceu. Moradora de Porto de Moz, cidade paraense de 30 mil habitantes, a quatro dias e três noites de Belém e a oito horas de Altamira, sempre de barco, ainda usava tranças no dia em que fez seu primeiro ato público pelo meio ambiente. Foi em 2002, num dos afluentes do Rio Xingu. Com os moradores, montou uma barreira para que embarcações carregadas de madeira ilegal não passassem – e elas quase passaram por cima dos manifestantes. De frente para o crime, Cláudia debutou, decidindo o que faria da vida dali em diante.
Hoje, é membro do movimento Jovens pelas Florestas, um dos braços do Greenpeace que já se espalha por 15 países, e montou um grupo de defesa da mata, reunindo cerca de 20% da moçada de Porto de Moz. “Às vezes, isso me dá angústia. Falta muita informação e precisamos encontrar uma maneira de falar com os jovens”, diz a estudante, que quer cursar Biologia, tornar-se ambientalista e engajar-se em projetos fora de Moz, caso precisem dela. Pelo que tudo indica, a garota franzina e de voz pequena vai ter de enfrentar a jornada de navio muitas vezes. Há dois anos, participou da COP7 – conferência da ONU sobre biodiversidade, em Kuala Lumpur, na Malásia. Esta semana, discursou na abertura da COP8, em Curitiba, emocionando a ministra Marina Silva, que vê sua própria história se repetindo em Cláudia. Ambas são filhas da floresta.
Um dos companheiros da ativista, em Porto de Moz, é Valdecir Fonseca dos Santos, 25 anos, estudante do 1.º ano do ensino médio, quase uma década de militância. Para ele, a mata já veio devastada, na madeireira em que ganhou seu primeiro emprego, ainda na adolescência. Foi assim, às avessas, que descobriu que havia movimentos sociais de defesa do meio ambiente e uma ação para criar a reserva extrativista Verde para Sempre, oficializada em 2004, com 1,3 milhão de hectares (o equivalente a metade do estado de Sergipe). Passou a freqüentar núcleos de ribeirinhos, conheceu o Greenpeace e ficou a par de uma aventura que passava debaixo de seu nariz. A madeireira perdeu um braço. A floresta ganhou um aliado.
“Minha família achava que eu estava entrando num caminho sem futuro. Ao mesmo tempo, concordava que nenhum de nós sobreviveria a tanto desmatamento, à chegada do gado e da soja na Amazônia. Já fui preso e ameaçado pelos madeireiros ilegais. Mas não vou desistir. Em Porto de Moz eu ando descalço e aprendi a ouvir o que contam os antigos moradores. É o meu lugar.”
Clara Buer, 23 anos, moradora de Lueneburg, norte da Alemanha, recebeu com desconfiança os primeiros convites para participar do Greenpeace. Até o dia em que o destino lhe reservou uma das irresistíveis paradas do movimento, a exemplo da faixa de protesto colocada dias atrás no alto do Cristo Redentor. O alvo, então, era um navio carregado de madeiras vindas da África, batizado pelos ativistas de “crime africano”. Foi a primeira de tantas ações que ajudaram a alemã a definir de que lado estava. Ela estuda Ciências Ambientais, e pretende um dia trabalhar em remanescentes de florestas tropicais, na Amazônia. “Quero estar num lugar em que possa pôr a mão no chão”. Enquanto esse dia não chega, milita no Jovens pelas Florestas.
A universitária tem no currículo três conferências internacionais – COP6, na Holanda, em 2002; COP7, na Malásia, e COP8, em Curitiba, na qual integra uma delegação de 30 membros de países como Camarões, Rússia, Suíça e Chile, além do Brasil. É o bastante para reclamar do formato das reuniões, que lhe parecem morosas, repetitivas e sem senso prático. Greenpeace na veia, Clara Buer tem pressa. “São 14 anos de CDB. Essa lentidão afasta muitos jovens. Nem todos têm tanta paciência. Mas acho que é um meio de alcançar o que a gente busca. Por isso, continuo”. E não pára por aí. No discurso que dividiu com Cláudia Maciel, na abertura da COP8, reivindicou dinheiro para preservar as florestas. Inclusive dinheiro alemão, que lhe parece pingadinho. Ao final da fala, foi procurada pelo delegado de seu país. Ele queria se justificar. Com Clara, é assim.
Diego Alejandro Cardona, 27 anos, é colombiano de Manzales, uma região cafeeira. Não fossem as batas indianas, sua presença seria a mais discreta de toda a COP. É observador nato e ambientalista em tempo integral. Tudo começou aos 19 anos, quando se radicou em Bogotá para estudar Engenharia Florestal. Cedo se decepcionou com aqueles que deveriam ser seus verdes anos. O curso universitário era técnico demais, crítico de menos. “Tudo muito teórico”, esbraveja. Nada que a ONG Amigos da Terra, uma rede espraiada em 80 países, na qual se alistou, não resolvesse de uma vez por todas. Assim como aconteceu com Clara, Valdecir e Cláudia, foi caminho sem volta.
Com diploma na mão, retornou a Manzales, em 2002, já escolado. Reuniu 75 jovens conterrâneos e criou a Censat – Centro Nacional de Saúde, Ambiente e Trabalho –, uma ONG anárquica, sem estatuto, sem registro, cujo único objetivo é discutir meio ambiente com gente jovem como ele. Mas nada entre quatro paredes. Os garotos de Manzales vão até quem trabalha com monocultura, hidrografia, ou na cidade, pisando – claro – em campo minado. Como há uma oposição entre os métodos da agroindústria e os da cultura tradicional do café colombiano, o mais famoso do mundo, a tarefa da ONG é salvar um e alertar sobre o outro. O esforço é do tamanho de uma colheita.
Esse sonho de juventude já virou uma espécie de Diários de Motocicleta, à la Che Guevara. Diego percorreu em um ano oito países da América Latina, atrás de informações sobre as comunidades locais de agricultores. O Brasil estava na rota, assim como a Bolívia e o Equador. Segundo o moço, está valendo uma vida. Ninguém duvida. Especialmente ele.
Por José Carlos Fernandes - Gazeta do Povo
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