O pacote transgênico
16/3/2006 da Revista Ciência Hoje
Camponeses latino-americanos relatam problemas ligados à produção de OGMs
Silvino Talavera, filho da paraguaia Petrona Villasboas, tinha 11 anos quando foi atingido pelo agrotóxico de um trator que pulverizava plantações de soja transgênica na província de Itapúa, Paraguai. Talavera não se deu conta do risco que corria ao passar sob a parte do equipamento que lançava o veneno. No dia seguinte, o vento trouxe mais agrotóxico, dessa vez expelido por um avião que pulverizava soja em um campo vizinho. O menino não resistiu ao duplo envenenamento e à falta de cuidados médicos, vindo a falecer, em janeiro de 2003, dois dias após receber a primeira dose. O caso ficou bastante conhecido e é o único do gênero que chegou à Suprema Corte paraguaia.
A perda pessoal de Petrona – e sua posterior luta por justiça – foi um dos quatro casos relatados no evento paralelo ‘Responsabilidade corporativa dos cultivos transgênicos na América Latina’, ocorrido nesta quarta-feira na MOP3, em Pinhais, região metropolitana de Curitiba. Com essas histórias, o evento realizado pelo Grupo de Reflexão Rural, da Argentina, apontou os malefícios sociais e à saúde humana ligados aos plantios de soja transgênica que se destina principalmente à exportação.
“São os custos do pacote tecnológico da soja transgênica”, disse o agrônomo argentino Adolfo Boy. Segundo ele, a tecnologia empregada nas plantações e a forma de conduzi-la têm efeitos negativos para o pequeno agricultor. O ato de furar a terra para a semeadura, em vez de fazê-la com o auxílio de um arado, reduz a perda de matéria orgânica, mas aumenta o número de insetos nas plantações, atraídos pela abundância de nutrientes, afirma Boy. Além disso, a soja RR (RoundUp Ready), variedade resistente ao agrotóxico glifosato, abriu caminho para o uso desse veneno no campo, com sérias conseqüências para a saúde dos moradores que vivem no entorno das plantações.
De acordo com Boy, o modelo industrial de cultivo da soja transgênica causa também prejuízos sociais. A necessidade de extensas áreas para atender à demanda do mercado faz com que os pequenos plantios sejam substituídos pela monocultura de soja. “Donas de pequenos sítios e sem condições de adquirir as grandes máquinas necessárias para espalhar sementes, as pessoas arrendam suas terras ou acabam sendo expulsas. É uma agricultura sem agricultores”, disse.
Outras histórias
Além de Petrona Villasboas, outros três camponeses contaram seus dramas. É o caso de Sofia Gatica, moradora do bairro de Ituzaingó, na cidade argentina de Córdoba. O local é cercado por grandes plantações de soja, e muitos de seus habitantes apresentam problemas de saúde decorrentes do uso intensivo de agrotóxico nas lavouras vizinhas. Gatica perdeu uma filha de 8 anos que havia nascido com malformações, muito provavelmente devido ao convívio com agrotóxicos. Já são mais de 300 casos confirmados de câncer na região, além de outras doenças. "A soja é negócio de poucos e morte para muitos", disse Gatica.
Jorge Galeano, morador de Caaguazú, no Paraguai, reclamou da opressão sofrida pelos pequenos agricultores. Dois trabalhadores já foram mortos em conflito com a polícia, que, segundo Galeano, protege os grandes produtores de soja. “Muitos estrangeiros compram áreas do governo no Paraguai e expulsam quem sempre usou a terra para viver”, relatou. A cada ano, cerca de 90 mil camponeses abandonam o campo no Paraguai.
No México, a ‘invasão’ do milho transgênico dos Estados Unidos prejudica a plantação tradicional e afronta a identidade cultural do camponês que vive nas áreas ‘invadidas’. Segundo o mexicano Alvaro Salgado, o milho cultivado há séculos pelos indígenas está se perdendo. “No México o milho é sagrado, não um mero alimento. Se perdermos o milho, não teremos futuro”, lamentou Salgado.
Em meio às divagações diplomáticas da MOP3, Petrona Villasboas, Sofia Gatica, Jorge Galeano e Alvaro Salgado são exemplos vivos de quem é atingido de fato por decisões tomadas por diplomatas, ministros e chefes de Estado. Justamente eles, camponeses, que estão muito aquém dos debates.
Por Murilo Alves Pereira
Especial para a CH On-line
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