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Este Blog foi originalmente criado para os eventos da COP-8 e MOP-3 realizados em março de 2005/Curitiba. Devido à importância de tais temas para a humanidade, a Revista Consciência.net continuará repassando informações relacionadas, incluindo comentários e matérias pertinentes. Boa leitura! Editores responsáveis: Clarissa Taguchi, Paula Batista e Gustavo Barreto. Da revista Consciência.Net - www.consciencia.net

sábado, março 25, 2006

Acesso aos recursos genéticos entra em pauta na COP-8

Curitiba da Carta Maior
A segunda semana da 8ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (COP-8) concentrará suas discussões em alguns temas que despertam particular interesse nas populações indígenas e demais comunidades tradicionais em todo o mundo. O principal debate previsto na pauta diz respeito à adoção de um regime internacional que deve estabelecer regras para o acesso aos recursos genéticos provenientes dos conhecimentos tradicionais e para a repartição dos benefícios econômicos e não-econômicos derivados da utilização desses recursos. Outro tema importante será a regulamentação do Artigo 8j da CDB, que trata dos conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade e estabelece qual a participação efetiva dos indígenas e comunidades locais nas discussões travadas no âmbito da Convenção.

Ao contrário de outros temas em que a posição dos diversos países é definida a partir de um complexo xadrez de interesses regionais ou internos (é o caso da discussão sobre as sementes Terminator), a discussão sobre o regime de acesso e repartição de benefícios coloca claramente em lados opostos os países ricos e os países em desenvolvimento. Assim como na reunião preparatória à COP-8 realizada em Granada (Espanha) no mês de janeiro, as intervenções iniciais das delegações sobre esse ponto em Curitiba mostram que os mais pobres querem acelerar o ritmo das discussões de forma a que o regime internacional possa ser definitivamente aprovado na COP-9, daqui a dois anos, enquanto os mais ricos procuram protelar os debates de forma, ao que parece, indefinida.

O patamar das discussões estaria ainda mais atrasado não fosse o esforço que fizeram em Granada os países em desenvolvimento, com notável liderança do Brasil, para que fosse remetido à COP-8 um texto sobre a adoção do regime internacional que tivesse pé e cabeça. Até então, o que havia sobre a mesa era um enorme documento - produzido no ano passado em Bangcok (Tailândia), durante uma reunião do Grupo de Trabalho (GT) constituído especialmente para tratar esse tema - que nada mais era do que uma colagem desorganizada das posições dos diversos países.

Com a mobilização dos principais grupos de negociação dos países mais pobres, como o Grupo de Países Megabiodiversos, o Grupo Africano e o Grupo América Latina e Caribe (GRULAC), foi adotado na Espanha um texto estruturado e capaz de servir de guia às discussões da COP-8. A postura pelo adiamento das decisões adotada pelos países da União Européia (com exceção da Espanha) e do JUSCANZ (grupo que reúne Japão, Estados Unidos, Canadá, Austrália e Nova Zelândia), no entanto, faz com que o documento ainda esteja cheio de colchetes, como são identificados os trechos do texto que não foram alcançados por consenso.

A intenção dos países que querem ver o regime de acesso e repartição de benefícios aprovado já na COP-9, portanto, é retirar o máximo possível de colchetes em Curitiba, pois do contrário a discussão pode ficar emperrada. A primeira batalha, pela manutenção do texto de Granada como guia, parece já ter sido vencida, pois não foi objetada formalmente por nenhuma das partes da CDB: "A idéia é que o documento de Granada seja utilizado como um rascunho inicial do regime que estamos discutindo, o que já será uma grande vitória", afirmou Eduardo Velez, que é diretor de Patrimônio Genético do Ministério do Meio Ambiente (MMA). Outra provável vitória é a renovação dos mandatos dos membros do GT, que também não sofreu objeção: "Essa renovação é fundamental, pois senão seria perdido o acúmulo desses últimos dois anos e a discussão correria o risco de sofrer um retrocesso", disse Velez.

RICOS FOGEM DAS OBRIGAÇÕES
A possibilidade de que a discussão do regime internacional não avance na COP-8 torna provável que seja decidida em Curitiba a realização de mais reuniões do GT antes da COP-9 que acontecerá em 2008. Delegações dos dois campos - como a Austrália ou a Índia (em nome dos Megabiodiversos) - já se manifestaram favoravelmente à realização de pelo menos mais duas reuniões do GT, uma em 2007 e outra um mês antes da COP-9. A Noruega propôs que o Secretariado-executivo da CDB criasse um grupo intergovernamental, com presidente e orçamento próprios, para elaborar um calendário de negociações até a COP-9. A Nova Zelândia, por sua vez, se manifestou contrariamente à aceleração dos debates e propôs que o regime internacional só comece a ser discutido depois da realização do levantamento e da avaliação dos diversos regimes e legislações nacionais já existentes sobre o tema.

O principal temor dos países ricos em relação ao andamento das discussões em Curitiba é que seja decidido aqui que o regime internacional de acesso e repartição de benefícios deva ser assumido sob forma de protocolo vinculante. Assim sendo, o protocolo determinaria obrigações para os países signatários da CDB e também as sanções aplicáveis àqueles que não cumprissem essas obrigações, realidade da qual os países mais ricos fogem como o diabo foge da cruz. Nesse sentido, a União Européia propôs a adoção de um protocolo misto, com algumas partes vinculantes e outras não. O Canadá, que na reunião de Granada foi o país que mais lutou pela manutenção do confuso texto de Bangcok, propôs que o debate sobre um protocolo vinculante não fosse travado em Curitiba e que o tema começasse a ser examinado somente na COP-9.

Em entrevista à CARTA MAIOR concedida no primeiro dia da COP-8, o diplomata Hadil da Rocha Vianna, que coordenou a delegação do Brasil em Granada e agora coordena as negociações sobre a adoção do regime internacional em Curitiba, confirmou que "os interesses divergentes formam um nó" para o avanço das discussões: "Existem dois grupos. Os que querem correr com a negociação, onde o Brasil está incluído, e os que querem a manutenção do que existe hoje em dia. Hoje temos mecanismos, legítimos até, de troca de informação ou de empresas que vão aos países pesquisar dentro dos mecanismos autorizados e tudo o mais. Mas, não existe ainda um mecanismo global para regulamentar o acesso tanto aos conhecimentos tradicionais quanto aos recursos genéticos. Não existe também aquilo que o Brasil quer mais e que é o terceiro objetivo da CDB: promover a repartição dos benefícios", disse.

Por Maurício Thuswohl