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segunda-feira, março 27, 2006

Via Campesina diz que "transnacionais buscam domínio da cadeia alimentar"

Da Acessoria de Comunicação da Via Campesina

As empresas de produção de sementes industrializadas ganharam força na década de 50 com o objetivo de aumentar a produção de alimentos e acabar com a fome no mundo. No entanto, as sementes criadas não apresentam regularidade na produção e dependem de um grande uso de agrotóxicos. Conclusão: apesar de todo o desenvolvimento tecnológico na agricultura, cerca de 800 milhões de pessoas passam fome no mundo.

Além disso, em diversos lugares do mundo os camponeses ficaram reféns das sementes e insumos das grandes empresas, que buscam controlar cada vez mais o mercado. Há 25 anos, 7 mil indústrias produziam sementes no planeta. Atualmente, 10 empresas dominam metade do mercado. A Monsanto, Syngenta e a Dupont controlam 30% do comércio.

Além da hegemonia na agricultura, esse tipo de produção exige insumos específicos, monopolizando o mercado de agrotóxicos e herbicidas também. “Eles criaram sementes que podem tolerar herbicidas e agrotóxicos das outras empresas”, afirmou a ativista Silvia Ribeiro, do grupo ETC. Segundo ela, as empresas querem lucrar com a dependência dos trabalhadores agrícolas.

A expansão do uso de transgênicos vai aumentar o controle das empresas sobre os agricultores. Só a Monsanto, a maior produtora de sementes em geral desde 2005, comercializa 88% das transgênicas. “Estão buscando o monopólio de sementes industrializadas e transgênicas”, advertiu Silvia.

Um dos mecanismos para garantir o monopólio é desestimular e impedir o uso de sementes orgânicas pelos camponeses e a cobrança de royalties por meio das patentes. “É um roubo de um patrimônio da humanidade criado pelos agricultores”, completou.

Além do controle das sementes, as empresas de processamento também são monopólios, que se associam e controlam a cadeia produtiva. Por exemplo, a Monsanto é proprietária de parte da Cargill. As transnacionais fazem também parcerias com as grandes redes de supermercados, como o francês Carrefour e o estadunidense Wall-Mart (o grupo com maior lucratividade do mundo).

Dessa forma, os grupos monopolistas dominam desde a produção das sementes, passando pelos insumos e o processamento, até chegar no consumidor. Atualmente, o poder das transnacionais é tanto que, das 100 maiores economias do mundo, 51 são empresas e 49 países. A Coca-Cola, por exemplo, é dona de 80% da água engarrafada do mundo. “As empresas transnacionais vão decidir o que vamos comer”, prevê Silvia.

Para organizações, certificação das sementes beneficia as indústrias

Os camponeses de todo o mundo são pressionados pelo mercado internacional para certificar as suas sementes. A OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), grupo de países desenvolvidos com sede na França, tem uma instância formada por indústrias, consumidores e agricultores responsáveis por conceder as certificações das sementes. Isso funciona como um atestado de qualidade com o objetivo da cultura produzida atender as normas especificadas pela organização. Para isso, a semente ganha um selo de qualidade antes de ser posta à venda, criando uma “certificação” de qualidade.

“A certificação foi criada somente para facilitar o trabalho das multinacionais. Para o pequeno produtor, ela significa dependência”, defende Camila Montecinos, ativista chilena ligada à CET (Centro de Educação e Tecnologia). Para ela, a certificação da semente serve apenas para atender os interesses da indústria.

A ativista questiona também as instâncias da OCDE, que concedem o selo aos produtos e criam as normas de qualidade para regular o processo. “Apesar de consumidores e agricultores participarem da OCDE, quem influencia diretamente nas suas resoluções são as indústrias, que criam normas que não têm base em leis internacionais. Na verdade, são baseadas nos seus próprios interesses”, analisa.

Nesse sentido, um dos principais mercados prejudicados pela certificação é o agroecológico. Na União Européia, existe uma lei que obriga os agricultores ecológicos a rotularem os seus produtos. A Argentina, uma das grandes criadoras de gado ecológico, produz carne em cerca de 3 milhões de hectares, sem insumos químicos por ano. Mesmo assim, os argentinos também tem cedido às investidas internacionais para a certificação do alimento.

Paul Nicholson, da coordenação política internacional da Via Campesina, conta que, diante da pressão das empresas e do mercado internacional, os agricultores acabam certificando os seus produtos na tentativa de preservar as propriedades orgânicas das indústrias.

No entanto, ele analisa que a decisão facilita ainda mais o processo de mercantilização e de dominação do mercado de sementes pelas multinacionais. “Diversas multinacionais hoje, como é o caso da Syngenta, também certificam alimentos agroecológicos. A dominação dos produtos agrícolas pelas grandes corporações é somente um passo à frente”.

Soberania alimentar

Na compreensão de diversas entidades e movimentos sociais, a decisão em certificar ou não os alimentos traz à tona um debate mais profundo: o da mercantilização e privatização dos recursos naturais.

“Certificando uma semente de tomate que tenho em casa, estou dizendo que ela é minha propriedade. No entanto, a natureza é pública, é da humanidade. E não de uma pessoa física ou jurídica”, defende Paul Nicholson.

Ele aponta também que os camponeses não devem se deixar levar pelo pensamento capitalista das empresas, que enxergam os recursos naturais como um bem mercantil que se compra e se vende. “O objetivo das multinacionais é mapear toda a biodiversidade do mundo e patenteá-la para ganhar dinheiro. Temos que evitar que isto aconteça”, defende. “As sementes não são dos camponeses, são de toda a sociedade”, reflete Camila.