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Este Blog foi originalmente criado para os eventos da COP-8 e MOP-3 realizados em março de 2005/Curitiba. Devido à importância de tais temas para a humanidade, a Revista Consciência.net continuará repassando informações relacionadas, incluindo comentários e matérias pertinentes. Boa leitura! Editores responsáveis: Clarissa Taguchi, Paula Batista e Gustavo Barreto. Da revista Consciência.Net - www.consciencia.net

quinta-feira, março 30, 2006

Movimentos reúnem 6 mil em ato contra a OMC, em Curitiba

Curitiba da Agência Carta Maior
Cerca de seis mil militantes da Via Campesina e de organizações ligadas à Rede Brasileira de Integração dos Povos (Rebrip) realizaram terça-feira (27) um protesto em frente ao local de reunião dos mais de 100 ministros do Meio Ambiente que participam da Reunião de Alto Nível (Ministerial) da COP-8 em Curitiba.

O protesto – pode até parecer estranho - não se focou diretamente nas temáticas em debate na Conferência das Partes (COP) da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), mas sim na Organização Mundial do Comércio (OMC), que pretende, neste primeiro semestre, finalizar as negociações da Rodada de Doha que ficaram travadas na Cúpula de Hong Kong, em dezembro passado.

Fazer uma manifestação contra a OMC no âmbito de uma Ministerial da CDB, segundo os organizadores do protesto, teve como objetivo concreto transmitir, em primeiro lugar, o recado de que os movimentos sociais exigem dos governantes a paralisação das negociações da forma como vêm sendo encaminhadas na organização. Mas também o fato de que todos os debates referentes aos múltiplos usos da biodiversidade do planeta devem ser feitos no âmbito da CDB, com vistas ao objetivo de garantir sua preservação, e não do ponto de vista do potencial comercial e sua regulamentação, como quer a OMC.

SOBREPOSIÇÃO
No momento em que a COP-8 segue estagnada por falta de acordos sobre acesso a recursos genéticos e conhecimentos tradicionais e repartição de benefícios - conhecidos pela sua sigla em inglês ABS – em função da posição da União Européia que, vislumbrando uma ameaça à sua liberdade de acesso ao patrimônio genético dos países em desenvolvimento, está propondo uma moratória de dois a quatro anos para o debate na CDB, o perigo que reside nesta falta de avanços, segundo as organizações sociais, é uma invasão maior da OMC no terreiro da CDB.

Segundo Silvia Ribeiro, pesquisadora da ONG ETC Group, a gravidade maior está no fato de que, da forma em que os debates sobre ABS estão sendo travados na COP-8, onde deveria haver sérios conflitos entre a OMC e a CDB, não há.

Reguladas pelo Trips (Acordo sobre Aspectos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio, sigla em inglês) na OMC, o patenteamento de organismos vivos, por exemplo, é permitido pelo órgão, mas não pela CDB. “Acontece, porém, que, ao discutir a quantificação dos benefícios de algum produto desenvolvido a partir da biodiversidade de um outro país, a CDB quer que o valor seja calculado sobre os lucros do patenteamento. Ou seja, aceita e reconhece esse patenteamento sem questionamentos”, explica Silvia.

Mas, assim como neste momento a CDB encalha no debate sobre acesso e repartição de benefícios, na OMC a agenda do Trips também vem sendo escanteada, explica Adriano Campolina, membro da ONG Action Aid e do Grupo de Trabalho de Agricultura da Rebrip. É que na OMC se especificou que o Trips deveria ser revisto quatro anos depois da sua adoção – ou seja, agora -, o que tem levado os países africanos a hastear a bandeira do retrocesso na permissão do patenteamento de seres vivos; posição que obviamente não agrada nem à União Européia nem aos EUA.

“Os países pobres estão pressionando por uma harmonização da OMC com a CDB no sentido de aumentar a soberania dos Estados sobre seus recursos genéticos. A África, por exemplo, quer uma cláusula específica contra o patenteamento de seres vivos, o que tem levado os ricos a tirar o ponto da agenda de negociações da OMC”, explica Campolina.

Já em relação ao governo brasileiro, aponta Marcelo Furtado, coordenador de campanhas do Greenpeace, ocorre um problema de incongruência, na medida em que o país vem defendendo na CDB um regime de acesso e repartição de benefícios legalmente vinculante, que obrigue os países a seu cumprimento, enquanto que na OMC, como parte do G-20, tem defendido posições extremamente danosas às causas ambientais, principalmente ao atender às demandas do agronegócio exportador, abrindo as portas de serviços – entre eles os ambientais – em troca de migalhas nas negociações sobre agricultura.

COMPANHEIRA MINISTRA
A marcha dos movimentos sociais, que saiu do centro de Curitiba e estacionou na frente do local onde ocorre a Ministerial da COP-8 até esta quinta-feira (29), apesar de não ter pré-programado qualquer contato com os representantes governamentais, recebeu a visita da ministra Marina Silva (Meio Ambiente), que deixou a reunião para falar com os manifestantes do alto da plataforma de um ponto de ônibus, usando o microfone do carro de som da manifestação.

Antes de passar a palavra à ministra, que foi recebida com simpatia e chamada de “companheira” pelos organizadores da marcha, o coordenador estadual do MST, Roberto Baggio, apresentou quatro demandas urgentes da Via Campesina ao governo brasileiro: que, na Ministerial, mantenha a posição tomada na última semana na COP-8 contra as sementes estéreis, conhecidas como Terminator; que faça cumprir a lei que exige a rotulagem de alimentos contendo produtos transgênicos; que fiscalize o plantio ilegal de sementes transgênicas, como os experimentos da multinacional Syngenta às margens do Parque Nacional do Iguaçu, ocupado pela Via Campesina ha duas semanas; e que, ainda no caso Syngenta, o Ibama destrua a plantação ilegal e que o governo desaproprie a área e a transforme em um campo de reprodução de sementes crioulas.

Logo depois de Baggio, Adriano Campolina também pediu à ministra que levasse em conta as demandas dos movimentos em relação à OMC, exigindo do governo que não fizesse acordos às escuras sobre serviços, agricultura e bens industriais que, além dos graves impactos sobre a soberania do país em relação a seus recursos naturais, poderia custar ao Brasil milhões de postos de trabalho.

Sem responder às colocações dos movimentos, Marina procurou enfatizar que o debate ambiental, por tratar de assuntos vitais para a humanidade, seria o único espaço onde ricos e pobres poderiam atingir um consenso. “Ambos precisam de água, terra fértil, ar puro para viver. Se não acharmos um caminho para proteger a natureza, ricos e pobres sairão prejudicados, mesmo que os pobres mais do que os ricos”, afirmou.

Sobre os dois posicionamentos adotados pelo Brasil, o favorável a rotulagem de produtos transgênicos nos transportes transfronteriços (a opção pelo termo ‘contém OVMs’) no encontro do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança ha duas semanas, e a rejeição à tecnologia dos Terminators na semana passada, Marina afirmou que a pressão das organizações sociais teve um papel fundamental e que espera poder contar futuramente com a participação dos movimentos nesses debates.