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Este Blog foi originalmente criado para os eventos da COP-8 e MOP-3 realizados em março de 2005/Curitiba. Devido à importância de tais temas para a humanidade, a Revista Consciência.net continuará repassando informações relacionadas, incluindo comentários e matérias pertinentes. Boa leitura! Editores responsáveis: Clarissa Taguchi, Paula Batista e Gustavo Barreto. Da revista Consciência.Net - www.consciencia.net

segunda-feira, abril 03, 2006

'Proteção da biodiversidade não é luxo'

Do PrimaPágina
Concepção de meio ambiente como 'uma questão de flores e pássaros' reduz investimentos no setor, diz administrador-assistente do PNUD

As ações de proteção ao meio ambiente ainda são vistas — pela maioria da população e pelos grandes financiadores de projetos — como questões que envolvem apenas plantas e animais, e não como algo que tenha impacto na vida das pessoas. Essa concepção reduz os investimentos em iniciativas no setor, ignora as relações entre ambiente e pobreza e enfraquece os ministérios do Meio Ambiente.

A advertência é do administrador-assistente mundial do PNUD e diretor do Departamento de Políticas de Desenvolvimento da agência, Shoji Nishimoto. Ele visitou o Brasil na última semana da COP 8 (Oitava Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica), que terminou sexta-feira em Curitiba.

“A diversidade biológica ainda é vista pela maioria das pessoas do mundo como uma questão de peixes, insetos, flores e pássaros. Uma coisa muito linda, mas que elas não enxergam como fonte de vida, como uma questão de sobrevivência para todos”, afirmou Nishimoto em entrevista à PrimaPagina. “É a mesma coisa com os doadores. Você mostra imagens de florestas e diz ‘se não preservamos isso aqui, vai faltar comida daqui quarenta anos’, e eles não compreendem a urgência como compreendem quando você mostra uma foto de vítimas da Aids”, compara.

O mesmo problema é encontrado nos governos nacionais, na definição dos orçamentos dos ministérios. “Se você coloca alguém que não tem peso, é claro que os ministros da Fazenda, do Comércio, da Indústria, do Transporte, da Construção Civil, da Agricultura vão atropelá-lo”, afirma.

Confira abaixo os principais trechos da entrevista.

Durante a COP 8 em Curitiba, foi dito, repetidas vezes, que o principal desafio é tirar a Convenção sobre Diversidade Biológica do papel e implementar ações efetivas para conter a perda de biodiversidade. Como o sr. avalia isso?

Shoji Nishimoto — O principal problema é que há uma variedade de assuntos muito grande que fazem parte da Convenção sobre Diversidade Biológica. Está nas mãos dos países-membros decidirem que tipo de ação eles querem perseguir. Se eles querem dividir seus recursos entre diferentes propósitos, eles precisam estudar a melhor forma de fazer isso. Esse é o desafio: encontrar a melhor forma de fazer isso e concordar na melhor forma de fazer isso.

Mas como colocar os ideais da Convenção em prática?

Nishimoto — Não é simples. Não basta não construir uma represa ou não construir uma rodovia para proteger a biodiversidade. É uma questão de se perguntar para que é essa represa, para que é essa rodovia. Seu propósito é tornar nossas vidas mais sustentáveis? Não seria melhor gastar esse dinheiro em algo que atingisse mais pessoas? Esses questionamentos são parte de um compromisso assumido pelos líderes do mundo. É preciso exigir que eles sejam refletidos em trabalho. É uma tarefa e tanto.

A Convenção sobre Diversidade Biológica ainda é praticamente desconhecida da população. Outros acordos internacionais sobre o meio ambiente, como o Protocolo de Montreal ou a Convenção sobre Mudanças Climáticas, são bem mais conhecidos. O que falta à CDB para ter esse tipo de abrangência?

Nishimoto — Pessoalmente, acredito que a diversidade biológica ainda é vista pela maioria das pessoas do mundo como uma questão de peixes, insetos, flores e pássaros. Uma coisa muito linda, mas que elas não enxergam como fonte de vida, como uma questão de sobrevivência para todos, e não apenas para as comunidades que dependem diretamente dos recursos naturais.

Há como mudar isso?

Nishimoto —Acredito que já está mudando. Nesta COP 8, mas já na COP 7, da Malásia, nós vimos ministros de diversos países chegando à conclusão de que a proteção da biodiversidade não é um luxo. Não é vontade de manter belas florestas. Existem coisas por trás da beleza dos peixes, das flores e dos pássaros que garantem a manutenção das nossas condições de vida e que são essenciais para resolvermos problemas mundiais, como a pobreza e a fome. As pessoas estão começando a perceber que isso afeta a vida dos seres humanos. E nós precisamos insistir que essa mensagem continue a ser transmitida de forma clara.

Esse desconhecimento da Convenção não dificulta a obtenção de financiamentos para suas atividades?

Nishimoto — Sim, e isso é um ponto importante. Essa falta de abrangência acaba fazendo parte de um debate maior, o da alocação de recursos. E os assuntos da Convenção são muito dispersos. Pelo que eu vejo, nós não teremos um aumento significativo no orçamento da ONU. E a ONU já não tem muita coisa. As instituições financeiras internacionais, como o Banco Mundial e os bancos regionais, também não terão uma injeção de recursos muito grande. Para onde esse dinheiro está indo? Para fundos mais específicos, como programas de combate à Aids ou ações de manutenção da paz em certos países. Comparado com essas necessidades, que parecem mais urgentes, a conservação da biodiversidade não atrai tanto interesse.

Na abertura do Segmento de Alto Nível, o presidente do Brasil disse que a preocupação com o meio ambiente tem aumentado, mas os recursos para financiar ações de proteção ambiental estão cada vez mais difíceis.

Nishimoto —Exatamente. As questões ambientais precisam competir pela atenção das pessoas. E as pessoas entendem mais facilmente, quando vêem crianças morrendo por causa de uma doença ou um de um tiro, que aquilo é um problema. Elas vêem uma criança morrendo de fome por causa da seca e querem enviar comida. Nem sempre elas relacionam a ameaça da fome com o desmatamento, por exemplo. E há relação. Desmatamento causa seca, seca causa fome.

É a mesma coisa com os doadores. Você mostra imagens de florestas e diz ‘se não preservamos isso aqui, vai faltar comida daqui quarenta anos’ eles não compreendem a urgência como compreendem quando você mostra uma foto de vítimas da Aids. Quem defende recursos para a proteção ambiental precisa encontrar uma maneira de deixar claro que a preocupação é com a vida das pessoas. Não é salvar floresta por salvar floresta.

Como esse problema se desenrola na esfera nacional? Na obtenção de recursos para o meio ambiente dentro dos próprios países?

Nishimoto —É a mesma coisa nos gabinetes governamentais. Por isso, os ministérios de Meio Ambiente precisam ter um peso pesado, vamos dizer, em seu comando. Se você coloca alguém que não tem peso político, é claro que os ministros da Fazenda, do Comércio, da Indústria, do Transporte, da Construção Civil, da Agricultura vão atropelá-lo na hora de decidir para onde o orçamento vai. É isso que acontece em muitos países: criam um ministério do Meio Ambiente como se não fosse nada, colocam um peso leve ali e não há resultado nenhum. Se o ministro do Meio Ambiente não tiver uma voz firme na hora de o governo decidir como vai gastar seu dinheiro, nada vai mudar. Não é algo que diz respeito só ao Ministério do Meio Ambiente, mas a todo o governo.

A ministra Marina Silva, do Brasil, é um peso pesado?

Nishimoto —Acredito que sim, é uma mulher muito firme.

Mesmo assim, ela e o ministério do Meio Ambiente quase sempre perdem quando seus interesses são confrontados, por exemplo, com o Ministério da Agricultura. Porque o Brasil é um país de grande diversidade biológica, mas é também um grande produtor agrícola. Como o sr. vê essa posição do ministério do Meio Ambiente brasileiro e a atuação do governo para equilibrar essas duas identidades?

Nishimoto —Não tenho qualificações para responder isso. Não acompanhei essa questão. Sei que o Ministério do Meio Ambiente do Brasil faz duras críticas à expansão da monocultura da soja. A monocultura é algo que faz muito mal ao solo, definitivamente não é uma boa idéia, tanto para o meio ambiente como para a agricultura. Manter a diversidade de culturas é essencial para um país do tamanho do Brasil. Essa é a única atividade que eu acompanhei mais de perto e, na minha opinião, o ministério brasileiro teve uma atuação bastante elogiável.

No Brasil, eu percebi que há uma percepção já bem absorvida pela sociedade, pelo governo e pelo setor privado de que é preciso fazer alguma coisa para proteger o meio ambiente. Isso acredito que já é uma vitória. É claro que existem pontos de conflito entre questões ambientais e econômicas, mas isso ocorre em todos os países. E o comprometimento brasileiro é exemplar.

A CDB tem como meta reduzir a perda da biodiversidade até 2010. E o PNUD defende que essa meta seja integrada aos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, que precisam ser cumpridos até 2015. Tanto 2010 quanto 2015 estão bastante próximos. O mundo pode cumprir esses compromissos?

Nishimoto —Ninguém acredita que todos os países vão atingir todos os Objetivos do Milênio. Os Objetivos são um compromisso global, e cada país deve ter as suas próprias estratégias. Há países, por exemplo, a Tailândia, que vão além do que os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio pedem e estabelecem outras metas.

O Relatório de Desenvolvimento Humano 2003 mostra que há pelo menos 50 países que dificilmente atingirão os principais Objetivos do Milênio. São países a que realmente precisamos prestar mais atenção. Mas em geral são países também que possuem problemas mais extensos, crises humanitárias, como secas prolongadas e guerras civis, ou um governo fraco, um Estado em colapso.

Mas e o mundo como um todo? Os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, como o sr. disse, são um compromisso global. O mundo vai cumpri-lo?

Nishimoto —Pessoalmente não estou otimista em relação a isso. Há países na Ásia, por exemplo, que vão cumprir os Objetivos do Milênio que têm relação com a renda, porque se desenvolveram financeiramente muito bem. É o caso da Índia, da China. Mas nos outros indicadores eles estão muito longe. Levando em conta as disparidades regionais, a Ásia como um todo está muito longe.

Nas outras regiões, muitos países ainda têm problemas internos a resolver. Mesmo países desenvolvidos ainda não entregaram tudo o que prometeram. Ainda têm Objetivos que precisam ser trabalhados para serem cumpridos. Ainda há muito a fazer. Não estou otimista, mas exatamente porque é difícil é que precisamos lutar com mais forças.


Por Marília Juste