Incoerências entre ministérios
Da Redação
Encerrada, na última 6a feira, a 3ª Reunião das Partes do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança (MOP3) realizada na semana anterior à Conferência de Partes da Convenção de Biodiversidade da Onu (COP-8). O tema mais polêmico, e que levantou os países inscritos ao debate, foi a rotulagem de Organismos Vivos Modificados (OVMs), identificando-os pelos termos ‘contém’ ou ‘pode conter’, na comercialização de produtos transfronteiriços.
Sem meias palavras, o termo ‘contém’ seria utilizado junto à realização de análises para identificação de OVMs, enquanto o ‘pode conter’ seria atribuído a produtos oriundos de países que já plantam OVMs - um segrega enquanto o outro admite a presença.
Para mercados consumidores, como a União Européia, isso significaria mais um impasse na escolha entre consumir, ou não consumir, produtos contendo transgênicos. Na Europa, grandes cadeias de supermercado como Carrefour se recusam a vender transgênicos, pois seus consumidores negam-se a comprá-los.
No Brasil, as empresas de alimentos são obrigadas, desde 2004, a rotular com um T dentro de um triângulo amarelo, os produtos que contém mais de 1% de composição transgênica. Nenhum produto jamais foi rotulado, sendo que muitos produtos baseados em soja contém a informação de que não são fabricados com soja transgênica.
Mas veja bem, os produtores de soja encontram-se no continente americano, se Brasil e Paraguai, signatários do Protocolo, não identificarem seus produtos com clareza, podem perder mercados internacionais, como Europa e Japão, para os EUA. O país, que não é signatário do protocolo, conta com apoio de laboratórios de certificação implementados por seu governo e assim pode comercializar os dois tipos de produtos da maneira que seus mercados desejam.
Dentro dessa ótica, o ministério do meio ambiente (MMA), foi mais coerente que o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, pois quando Marina Silva propôs a identificação de OVMs com o termo ‘contém’, Rodrigues reconheceu que foi derrotado na disputa com a ministra em relação aos produtos transgênicos. Rodrigues, junto ao ministério da Indústria e Comércio, defendia a utilização do termo ‘pode conter’.
A proposta brasileira, apresentada pela ministra do Meio Ambiente, era do uso do termo ‘contém’ com o compromisso dos países signatários em efetivar sua identificação no prazo de quatro anos. Ao fim do encontro, cheio de ressalvas de países como Paraguai, México e Nova Zelândia, foi-se consensuado que somente na MOP de 2012 (MOP-6), os países apresentarão suas experiências para então concretizar uma regulamentação.
Há exatos um ano
Em março de 2005, foi realizado em Foz do Iguaçú, também no Paraná, o encontro “Soja Sustentável”, onde pequenos e grandes produtores de soja debateriam junto a entidades civis e comerciais, os impactos da produção do commodity na economia nacional e suas conseqüências no meio ambiente. Lá, diversos representantes das cadeias produtivas, principalmente os maiores, enfatizaram que os mercados consumidores que preferem uma soja diferenciada, como não transgênica, é que deveriam custear o preço da segregação.
Bruno Maggi Pissollo, do grupo Amaggi, considerou haver espaço para os dois tipos, os transgênicos e os convencionais. "Quem vai regular é o mercado", disse. Para a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, a CNA, a soja convencional se tornará um luxo. "Se existem nichos de consumidores que queiram ter o luxo de produtos que sigam certa tecnologia [sem transgênicos, mais cara], que seja agregado ao custo de consumo deles, e não ao custo básico de produção os valores. Quem quiser custos mais elevados que pratique isso na gôndola [do supermercado]", afirmou Carlos Rivaci Sperotto, vice-presidente da CNA e presidente da Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul).
As declarações dos representantes do setor produtivo, no evento de 2005, deixaram claras as posições defendidas pelos grandes produtores de commodities brasileiros. Mas quando se fala em custo de segregação não citando os valores reais, fica implícito que sejam extremamente caros inviabilizando sua realização.
Que desvantagem?
Segundo João Paulo Capobianco, secretário de Biodiversidade e Florestas do MMA, os custos são bastante competitivos. “A experiência de pequenas e médias cooperativas que já fazem a segregação (para garantir uma produção "livre de transgênicos") gastam menos de US$ 0,30 a mais por tonelada de soja”, afirmou Capobianco semana passada.
Pelo método PCR qualitativo, gasta-se 240 dólares para analisar 5.000 toneladas de um navio graneleiro. Muito menos que o custo apresentado por Capobianco. Na verdade, acrescentando-se o custo da análise à tonelada amostrada, tem-se o acréscimo de 0,023%, o que corresponde a pouco mais de um milhão de dólares somando-se toda a soja embarcada do ano passado.
Já de acordo com Maurício Mendonça, gerente-executivo da Unidade de Competitividade Industrial da CNI, a obrigatoriedade de informação detalhada sobre o que se está comercializando geraria um custo de cerca de US$ 50 milhões para a indústria brasileira. "Isso tiraria a competitividade do país em relação a grandes exportadores de commodities como os Estados Unidos e a Argentina, que não são signatários do documento".
Mendonça explica que, a manutenção da expressão "pode conter transgênicos" dá a mesma liberdade para o importador recusar o produto ou até custear os testes para verificar se contém ou não OVMs. "Esse custo não deveria ir para o exportador", afirma. "Não podemos comprometer a competitividade da indústria brasileira". E essa é a posição oficial da CNI.
A ministra Marina Silva não vê a identificação ampla de OVMs como desvantagem ao país, ao contrário, para ela outros países exportadores (EUA, Canadá e Argentina) também seriam obrigados a identificar seus carregamentos. Mesmo que estes três países estejam fora do protocolo, a identificação seria exigida pelos países importadores que são signatários do acordo. "Se isso for aprovado, todos os países terão de operar nesse sistema, direta ou indiretamente", disse a ministra que ainda complementou que o governo poderá oferecer incentivos, inclusive financeiros, para viabilizar a construção da infra-estrutura necessária.
Ao fim do encontro, Marina Silva e o Ministério de Relações Exteriores demonstraram-se aliviados pela posição da rotulagem clara de OVMs mesmo que o período de uso do termo “pode conter” tenha se extendido por mais 6 anos. Considerando-se que o Protocolo foi criado em 2000, que o custo da identificação não ultrapassa 0,30 centavos de dólar por tonelada, e que existem mercados compradores de soja não transgência dispostos a comprá-la, inclusive no Brasil; quais seriam então, as razões das declarações inflamadas de Roberto Rodrigues ao considerar-se derrotado pela ministra do meio ambiente pela posição do ‘contém’ adotada pelo governo?
No custo da soja, milho e canola transgênicos há ainda a participação, através do pagamento de royalties, às empresas de biotecnologia como Monsanto e Syngenta. Por trás dos commodities transgênicos, há também o risco econômico representado pela utilização de novas tecnologias, e isso sem falar do custo ambiental que as novas tecnologias trazem e que não foi mencionado neste artigo. Talvez a calculadora do meio ambiente, sempre desprezada por ser muito ‘custosa’ em termos econômicos, esteja mais afiada que a da agricultura, tão ligada ao agronegócio.
Por Clarissa Taguchi e Paula Batista
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