Avanço foi mínimo, avaliam organizações sociais
Curitiba, 18/3/2006 da Agência Carta Maior
ONGs e movimentos sociais lamentam o acordão feito no final da MOP com os países contrários à identificação clara de carregamentos transgênicos. A garantia da sobrevivência do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança foi a única vitória real, avaliam.
O consenso possível entre defensores e adversários da identificação clara de cargas transgênicas no comércio internacional, após a iminente ameaça de um travamento que poderia assassinar o Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança nesta terceira reunião das partes, em Curitiba (MOP-3), causou tudo menos entusiasmo nas organizações sociais brasileiras.
Ao final da guerra titânica liderada pelos governos brasileiro e mexicano na sexta (17), o primeiro ao lado do “contém” e o outro do “pode conter” Organismos Vivos Modificados (OVMs), o acordão transgênico aprovado pela plenária – um regime de identificação que permite as duas versões durante os próximos seis anos para que então o Protocolo adote exclusivamente o “contém”, com a permissão de que países parte, em negócios com países não parte, estejam isentos da regulamentação do Protocolo – foi considerado frágil e insuficiente para a proteção da biossegurança mundial.
Segundo Marijane Lisboa, membro da Associação de Agricultura Orgânica e da rede Brasil Livre de Transgênicos, a MOP-3 resultou em um acordo tímido que não oferece a proteção necessária aos diversos países, principalmente os megadiversos. “É melhor do que nada, mas ainda muito pouco em relação ao que o mundo precisa”, avalia.
A principal fragilidade, pondera Marijane, é que o longo prazo antes que se adote a segregação e identificação clara dos OVMs possibilita a continuação e o aumento da contaminação dos transgênicos. “Teremos mais variedades e mais comércio. O quadro que já estamos enfrentando, cento e tantos casos de contaminação nos últimos dez anos, só vai se agravar, porque serão muito poucos os países exportadores de transgênicos que de boa vontade vão adotar o sistema de identificação. Desconfio se mesmo o Brasil vai adotar. A indústria e os produtores de soja transgênica dizem que eles não têm condições de segregar e identificar”.
Para o coordenador do Greenpeace, Sergio Leitão, a decisão final da MOP-3 tem a vantagem de não ter enterrado, como queria a indústria da biotecnologia, o Protocolo de Biossegurança. “Mas, em que pese isso, nós saímos daqui com um Protocolo com normas bastante fracas no sentido de garantir a biossegurança e a biodiversidade. As pressões do México e dos EUA, representando os interesses da indústria da biotecnologia, fez com que se admitisse de última hora uma exceção. Qualquer país que seja signatário do protocolo e que receba ou mande cargas aos que não são signatárias - como é o caso do México, que é, e dos EUA, que não são -, não precisa seguir as normas do protocolo, uma exceção ao que minimamente conseguimos acordar aqui. Fica prejudicada a perspectiva de que o Protocolo possa ter uma vigência mais efetiva inclusive sobre os países não signatários, que teriam que obedecer minimamente as suas posições quando se relacionassem com países signatários. Nós estaremos sim a mercê de uma bio-insegurança, porque o Protocolo ainda não tem normas efetivas como garantidoras da biodiversidade”.
Em especial para a América Latina e o Caribe, que vivem sob uma crescente pressão dos EUA para adotar tratados bi ou multilaterais de livre comércio (os diversos TLCs), a abertura da exceção imposta pelo México deve enfraquecer qualquer tentativa de resistência à imposição norte-americana de regras de abertura dos mercados para seus OVMs, avalia a coordenadora da Rede América Latina Livre de Transgênicos (RALLT), Elizabeth Bravo.
“Acho que o resultado foi terrível para os pequenos importadores de grãos e os que têm tratados de livre comércio com os EUA. Nos TLCs com os EUA, uma das coisas que se impõe é a importação de grandes volumes de milho transgênico norte-americano”, diz. A mesma posição foi externada pelo Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente (FBOMS) em nota produzia logo ao final da MOP.
Por outro lado, as organizações sociais avaliam que a batalha não foi totalmente perdida, se considerados os esforços das grandes empresas de biotecnologia em melar qualquer acordo na MOP.
“Nós não saímos daqui completamente desesperançados, sem acreditar num futuro melhor para o planeta, mas com a certeza de que temos que trabalhar muito para que as indústrias de biotecnologia não consigam fazer seus interesses prevalecerem. Este é o grande saldo negativo desta reunião, a enorme presença das indústrias, transformando as reuniões das conferências internacionais em um balcão de negociação dos seus interesses. Infelizmente, alguns países, ao invés de defender os interesses de seu povo, se transformaram em meros escritórios de advocacia do lobby destas empresas. Esse é o grande problema que teremos que enfrentar a partir de Curitiba”, avalia Sergio Leitão.
Segundo ele, a presença das grandes empresas de biotecnologia “se fez marcar de forma brutal em Curitiba, havia uma forte presença empresarial nas delegações nacionais de cada país, o que fez com que eles tivessem uma posição privilegiada em função do seu poderio econômico para refletir seus interesses nas negociações e nas posições de cada país. Esta é a questão, como a soberania dos países foi esquecida e transformada na mera corporação de interesses advocatícios da biotecnologia”.
Em sua nota, o FBOMS vai pelo mesmo caminho, afirmando que “o cenário da MOP-3 reflete a fragilidade dos Estados nacionais e dos espaços decisórios internacionais ante ao poder das transnacionais”. Mas reconhece também o papel dos países que defenderam avanços no Protocolo, como o Brasil. “O Brasil reconheceu que a única forma de proteger a biodiversidade dos efeitos da biotecnologia é através da adoção de regras claras e precisas que possibilitem diferenciar os produtos da biotecnologia dos demais. Esperamos que esta coerência seja mantida nas políticas nacionais – sobretudo de fiscalização - que possibilitarão a imediata implementação da identificação dos OVMs”, cobra.
Para o FBOMS, “cabe agora à sociedade brasileira, latino-americana e mundial mobilizar-se para que o interesse dos povos em preservar sua biodiversidade prevaleça sobre os interesses das corporações transnacionais”. Leitão emenda: “No caso do Brasil, tivemos força o suficiente para virar, de última hora, sua posição predominantemente ligada aos interesses do agronegócio. O Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente deu uma demonstração de força, de que é capaz. Mas precisamos transformar o que é a força brasileira numa força planetária. Este é o nosso desafio”.
Por Verena Glass.
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