Biodiversidade Biotecnologias Biossegurança

Este Blog foi originalmente criado para os eventos da COP-8 e MOP-3 realizados em março de 2005/Curitiba. Devido à importância de tais temas para a humanidade, a Revista Consciência.net continuará repassando informações relacionadas, incluindo comentários e matérias pertinentes. Boa leitura! Editores responsáveis: Clarissa Taguchi, Paula Batista e Gustavo Barreto. Da revista Consciência.Net - www.consciencia.net

quarta-feira, março 22, 2006

Discurso de abertura da COP/8

Da Redação
Confira o discurso de abertura da COP/8, proferido pelo Secretário Executivo da Convenção sobre a Diversidade Biológica, Ahmed Djoghlaf, em 20 de março de 2006.

"Sra. Presidente, Excelências, Senhoras e Senhores

Na África mais de 100 milhões de crianças sofrem desnutrição. Entretanto, uma luz de esperança está surgindo deste continente. Há poucos dias atrás, em Agharous, Nigéria, alguns médicos, pesquisadores e cultivadores de alga de dez países estudaram as virtudes da espirulina, a alga da esperança. Estas algas verdes microbióticas, ricas em vitaminas e minerais, contêm 70% de proteínas, duas mais do que sementes de soja, mas precisam de quatro vezes menos de água e vinte vezes menos de área. Pelo fato dessa alga ser parte da alimentação diária dos Kanembous, um grupo étnico que vive às margens do lago Chad, esta é a única região que não sofre de desnutrição na África.

A agência espacial européia quer usá-la para suas missões de longa duração planejadas para 2008. A NASA pretende usar por sua conta, em seus futuros vôos espaciais, outra planta, a Chlorophtytum, que no prazo de 24 horas e em um raio de 30m² pode absorver 95% de produtos tóxicos, inclusive químicos.

Na África, a espirulina é usada tanto como alimento básico pelas populações desnutridas como também pelos pobres no tratamento contra AIDS. Um sache de 25 gramas desta micro alga verde-água custa 250 Francos, ou seja, menos de 50 centavos de dólar. Uma Campala, o tratamento anti-retrovital de uma pessoal afetada por AIDS custa US$ 1.200,00.

De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), 80% da população mundial depende da medicina tradicional, baseada essencialmente em plantas, para aliviar suas dores. 75% das 150 prescrições nos Estados Unidos vêm de benefícios da natureza. O Instituto Nacional de Câncer americano estima mais de 3.000 o número de plantas usadas na luta contra o câncer. 70% das quais vem das florestas tropicais. A planta Jaborandi é parte da medicina tradicional brasileira visto que é considerada pelas tribos indígenas como um tratamento milagroso contra a asma, pleurisia, artrose e também no combate contra a calvície avançada.

Entretanto, a biodiversidade, fruto de milhões de anos de evolução de nosso planeta está hoje seriamente ameaçada, assim colocando em risco a vida na Terra. A capital ecológica do planeta está enfraquecida, enfraquecendo assim o futuro das gerações futuras. O que foi uma vez considerado como estabelecido para sempre, já não o é mais. Na verdade, nunca desde o surgimento do homem na Terra, as atividades humanas enfraqueceram tanto a integridade da natureza e suas funções naturais de uma forma tão dramática como nos últimos 50 anos. As pressões antropogênicas sem precedentes do nosso planeta exercidas sobre as funções naturais alcançaram um nível que os ecossistemas não poderão mais garantir a durabilidade de seus serviços sem o qual a vida na Terra seria inimaginável.

Vitor Gugo costumava dizer que "é muito triste pensar que a natureza fala e que a humanidade não escuta". A Natureza está falando conosco. A Natureza é, essencialmente uma mãe provedora, mas quando seu lamento é ignorado, pode se transformar em uma mãe fatal. Como Aristóteles dizia, nada acontece por acaso.

A uma pequena distância do Lago Chad onde a alga milagrosa prospera, 2,3 milhões de pássaros migratórios preparam-se, ao final do inverno, para decolar, partindo da reserva nacional do Leito de Arguin, palco mauritânio da rota migratória do Atlântico Leste. Aqueles que carregam o vírus H5N1 provavelmente causarão, na sua passagem, uma piora na epizootia da influenza aviária, que até hoje já afetou 27 países espalhados por quatro continentes. 17 foram afetados durante os últimos três meses. Desde o princípio do ano, "a doença do home curvado", Chikungunya, já afetou mais de 170.000 pessoas o que vale dizer 20% da população da Ilha da Reunião. Não muito distante de lá, na divisa entre Quênia e Somália, em Wajir, mais de 200.000 cabeças de gado morreram por causa da pior seca já registrada no norte do Quênia nos últimos dez anos ameaçando, assim, a existência de mais de 4 milhões de pessoas. Uma catástrofe humana é então prevista nos horizontes do tempo em que a comunidade internacional comemora o Ano Internacional dos Desertos e Desertificação. No mês passado, enquanto Nova York assistia à pior tempestade de neve de sua história, uma vila localizada no sul de Manila desapareceu sob o efeito de deslizamento gerado pela chuva torrencial. Desflorestamento certamente não está alheio à magnitude destes desastres. A estação de ciclones no Atlântico que seguiu o Tsunami bateu todos os recordes. Treze furacões, dentre eles Katrina, Rita e Wilma foram registrados. O ano de 2005 também bateu outro recorde: o ano mais quente desde o início dos registros de clima. Em 2003, a onda de calor que atingiu a Europa matou 35.000 vítimas.

Senhoras e Senhores

A Mãe Natureza está conversando com sua Criação. Nós temos que ouvi-la e agir. Há um lugar melhor para ouvirmos e agirmos do que aqui no Brasil, uma das nações mais ricas em biodiversidade do mundo? Um país que contém 20% de todas as espécies conhecidas e a maior floresta tropical existente no mundo. Um país que escolheu a Mãe Natureza e sua cor verde como símbolo natural de seu hino nacional sob o lema "Ordem e Progresso". Ordem e progresso são o ápice da Natureza. Um país que sediou o primeiro Earth Summit, evento este que testemunhou o nascimento da Convenção sobre Diversidade Biológica, e também o primeiro país a assiná-lo no dia 5 de junho de 1992. Onde melhor para ouvir e agir do que aqui no Estado do Paraná, que escolheu o Pinheiro como seu símbolo e tem o segundo maior rio da América Latina. Onde melhor para ouvir e agir do que aqui na cidade de Curitiba, onde o mundo pode ser encontrado, "A cidade da gente", o laboratório ambiental do Brasil que, em menos de uma geração cresceu sua cobertura florestal per capita de 5 para 55 metros quadrados. Uma cidade, que através de seu Câmbio Verde, transformou rejeitos em instrumento financeiro e econômico.

Gostaria de expressar minha profunda gratidão ao Governador do Estado do Paraná e o Prefeito de Curitiba pela fantástica organização feita nessa casa. Gostaria também de fazer uma homenagem à ministra Marina Silva. Já conhecida como a senadora mais jovem da história do Brasil, ela também será lembrada, com toda certeza pela geração futura, como a arquiteta do plano mais ambicioso do planeta para a proteção da floresta tropical. A decisão tomada mês passado pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva de colocar 6,4 milhões de hectares da Floresta Amazônica, uma área duas vezes maior que o tamanho da Bélgica, sob direta proteção ambiental deve ser valorizada como uma importante contribuição a fim de atingir a meta firmada pelos Chefes de Estado e Governo até 2010, de redução significante na atual taxa de perda de biodiversidade. Onde melhor para ouvir e atuar do que aqui no Brasil, no Estado do Paraná, na Cidade de Curitiba, sob a liderança da ministra Marina Silva, uma filha da Floresta Amazônica e a arquiteta de uma redução de 31% na taxa de desflorestamento deste singular ecossistema, em um período muito curto de tempo.

Sra. Presidente,

A Convenção sobre a Biodiversidade Biológica inaugurada no Rio em junho de 1992 está de volta à casa. Os resultados de uma jornada de 14 anos estão aí. Desde a primeira COP, mais de 283 encontros foram realizados e 192 decisões contidas em um livro de 1039 páginas tomadas. Um plano estratégico foi adotado além de sete programas temáticos cobrindo todos os maiores ecossistemas, desde montanhas até áreas marinhas e costeiras. Programas de trabalho nada menos que 17 questões transversais em todas as grandes áreas de relevância para os três objetivos da Convenção foram adotados. Além disto, nove conjunto de diretrizes e princípios foram adotados inclusive as chamadas Diretrizes de Bonn, normas de acesso e repartição de benefícios (Grupo de Trabalho – ABS). Este impressionante trabalho está sendo mais elaborado através da dedicação de grupos de trabalho sobre conhecimento tradicional, inovações e práticas de povos indígenas e comunidades locais e regime internacional de acesso e repartição de benefícios.

Os brasileiros se orgulham de ser brasileiros e agora têm outra razão para se orgulharem. Eles realmente têm que se orgulhar da filha Rio depois de sua jornada de 14 anos. Gostaria então de homenagear as 188 Partes e apelar aos países que ainda não se juntaram a nós para unir forças, pois nenhum cidadão no mundo e nenhum país do planeta pode apenas ser um observador quando se trata de salvar vidas na Terra. Gostaria também de homenagear a Malásia pela liderança oferecida nos últimos dois anos nesta função de Presidente da Sessão COP7.

Senhoras e Senhores,

Johann Wolfgang von Goethe certa vez disse que "saber não é suficiente, temos que aplicar o conhecimento. Vontade não é suficiente, temos que agir". Vamos nos inspirar pelo espírito de Curupira, o protetor simbólico das florestas e de todos os animais que vivem nela, e trabalhar em conjunto em prol do alcance de nossa meta em comum: a proteção da vida na Terra.

Uma nova era de implementação aprimorada dos três objetivos é necessária. Vamos assegurar que este encontro aqui em Curitiba marque o início desta nova era. Ao fazer isto vamos ponderar sobre a sabedoria de Paulo Coelho, o poeta e romancista brasileiro que disse: "Quando menos esperamos, a vida nos propõe um desafio para testar nossa coragem e vontade de mudar; em tal momento, não faz sentido fingirmos que nada aconteceu ou dizermos que não estamos preparados. O desafio não desaparecerá. A vida não olha para trás. Uma semana é mais do que suficiente para nós decidirmos se aceitamos o nosso destino ou não".

Senhoras e senhores, vocês têm duas semanas para aplicar o que já sabem e fazer o que é necessário ser feito para aceitar o destino da CDB, qual seja o de uma fase de implementação avançada.

Agradeço sua generosa atenção.