CTNBio é a palavra final na pesquisa de transgênicos e não no comércio
23/3/2006 do Jornal da Ciência
O presidente do órgão explica que “os OGMs e seus derivados destinados à comercialização terão que ter também a aprovação do Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS), que é vinculado à Presidência da República”
O Acadêmico Walter Colli, atual presidente da CTNBio, é um cientista de renome mundial. Entre outras títulos, é Doutor Honoris Causa da Universidade de Buenos Aires desde 1997; recebeu a Medalha Instituto Butantan, do Governo do Estado de SP, em 2005; foi escolhido para o Prêmio Samuel Barnsley Pessoa, da Sociedade Brasileira de Protozoologia, em 2001; recebeu a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico, do Presidente da República do Brasil, em 2000.
Nascido em SP em 1939, graduou-se em Medicina e doutorou-se em Bioquímica na USP. Especializou-se em Ciências Biomédicas, e entrou para a Academia Brasileira de Ciências em 1978.
Foi um membro ativo da Fapesp, do CNPq, da Academia de Ciências do Estado de SP, do Instituto de Química da USP, entre outras instituições de peso no Brasil e no mundo.
Nesta entrevista ao “Boletim do Acadêmico”, Colli se coloca diante de todas as polêmicas criadas a partir de sua indicação para a presidência da CTNBio.
Há grupos contestando a sua indicação para a CTNBio. É possível explicar como foi o processo?
Colli - O Ministério da Saúde indicou-me como especialista na área de Saúde Humana. Foi-me explicado que mais de 90 instituições da sociedade civil fizeram sugestões. Eu fui a pessoa que mais indicações obteve, isto é, 4. Todos os demais tiveram 3 ou menos indicações. Importa também a qualidade das instituições que fizeram a minha indicação, todas impecavelmente civis e republicanas: Academia Brasileira de Ciências, CNPq, Capes e Universidade de SP.
E como foi a sua eleição para a Presidência da Comissão?
- O Ministro da Ciência e Tecnologia pediu à CTNBio que votasse uma lista tríplice, como exige o Decreto 5.591/05. Dos 27 membros havia 23 no momento da eleição. Eu tive 15 votos, um voto a mais que a maioria absoluta. Coerentemente, o Ministro me escolheu, assim como nomeou Vice-Presidente o Professor Horácio Schneider que teve 13 votos.
Assumir a presidência de uma comissão como a CTNBio, que trata de assuntos tão controversos, como transgênicos e células-tronco é, sem dúvida, um desafio. Quais são as suas prioridades no comando da Comissão?
- Ao Presidente da Comissão cabe presidir as reuniões, obedecendo estritamente aos termos da Lei e da legislação infra-legal. A CTNBio é constituída de 27 membros titulares e 27 membros suplentes. A legislação prevê trabalho para todos. Isso quer dizer que, em tese, uma reunião poderá contar com 54 membros. Ao Presidente cabe moderar e agir com isenção. Tendo em vista a qualidade dos membros, a força do Presidente se resume apenas ao seu voto.
Como funciona a CTNBio? São realizadas reuniões mensais para discussão dos assuntos em pauta?
- O art. 21 do decreto 5.591/05 define que a CTNBio reunir-se-á, em caráter ordinário, uma vez por mês e, extraordinariamente, a qualquer momento, através de convocação de seu Presidente ou por solicitação fundamentada e subscrita pela maioria absoluta de seus membros. Desta forma, a CTNBio tem um calendário anual proposto pela Coordenação Geral e aprovado pelo plenário. Como são 54 conselheiros, não é fácil marcar reuniões de afogadilho, já que os membros da CTNBio procedem de todos os quadrantes do país.
Desde que voltou a funcionar, quais foram as principais decisões da CTNBio?
- Houve, de fato, apenas uma reunião. Essa reunião elegeu a lista tríplice para o Ministro escolher o Presidente e o Vice-Presidente e discutiu e votou o Regimento Interno que foi aprovado pelo ministro Sérgio Rezende e publicado no DOU no último dia 07/03/2006. Devo dizer que isso não é pouco, tendo em vista visões diferentes sobre vários assuntos. Foi um primeiro exercício de busca de consenso. Quero dizer ainda que a Lei exige publicação prévia de extratos de pleitos que devem ficar 30 dias submetidos ao escrutínio público, sem o que será ilegal discuti-los. Na medida do possível, a Secretaria os está preparando e eu estou autorizando a sua publicação.
A Câmara aprovou o projeto da Lei de Biossegurança, mas sua regulamentação demorou um ano. Quais foram os ganhos e as perdas nesse meio tempo?
- Em minha opinião o principal ganho foi dirimir, em caráter definitivo, o impasse gerado pelo conflito de competências entre a Lei de Biossegurança e a Lei Ambiental. Em que pese a manifestação da justiça em julho de 2004 sobre este tema, favorável à CTNBio, a aprovação da lei 11.105/05, definindo a CTNBio como a única autoridade para fins de pesquisa em biossegurança, foi de fato um grande avanço. É óbvio que a demora na regulamentação da Lei paralisou o processo decisório e obstou as decisões sobre pleitos de pesquisa e de interesse comercial.
A Lei conseguiu regulamentar as duas polêmicas mais importantes, ou seja, a produção e comercialização dos OGM e a pesquisa com as células-tronco?
- A pesquisa com OGMs e seus derivados terá na CTNBio a última e definitiva palavra. Ou seja, em matéria de pesquisa de OGMs e seus derivados a CTNBio é a autoridade máxima. Porém, os OGMs e seus derivados destinados à comercialização terão que ter também a aprovação do Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS), que é vinculado à Presidência da República. Esse conselho é hierarquicamente superior à CTNBio e suas análises levam em conta também as questões sócio-econômicas e as de interesse do Estado. O assunto células tronco, em que pese constar da Lei de Biossegurança, não é de responsabilidade da CTNBio. De acordo com o Art. 5º, §2º da Lei 11.105/05, bem como o art. 63, §2º do decreto 5.591/05, "as instituições de pesquisa que realizem pesquisa ou terapia com células tronco-embrionárias humanas deverão submeter seus projetos à apreciação e aprovação dos respectivos comitês de ética em pesquisa, na forma da resolução do Conselho Nacional de Saúde.”
O senhor acha que a formação multidisciplinar da Comissão está adequada ao cumprimento de seus objetivos?
- A sociedade brasileira é plural. A Lei procurou expressar essa pluralidade, garantindo na composição da CTNBio a expressão das variadas opiniões sobre um assunto tão diverso e polêmico. A CTNBio, no entanto, por ser uma comissão estritamente técnica e apolítica, deverá continuar pautando suas ações e decisões pelos debates à exaustão de conteúdos absoluta e eminentemente técnicos. Espera-se que sempre prevaleça o argumento com fundamentos solidamente alicerçados na literatura científica conhecida, bem como no que de mais moderno as pesquisas científicas indicarem, nos termos dispostos na Lei de Biossegurança e no Decreto que a regulamenta.
O senhor é a favor ou contra a rotulagem dos alimentos transgênicos? Ela funcionará em grandes culturas como a da soja, sabendo que ainda não existe logística para separar o transgênico do não transgênico?
- Quero lembrar que a análise de risco feita pela CTNBio contém todas as informações técnicas necessárias para que pessoas, organizações, empresas e governos utilizem-nas a fim de bem informar o público. Por outro lado, compreendemos que a democratização do pleno acesso à informação somente virá com a universalização da educação, a fim de que todos possam minimamente ler e entender uma avaliação científica. O acesso a essas informações poderia dispensar a rotulagem que sempre envolve um custo normalmente repassado ao consumidor. No entanto, por ser signatário do protocolo de Cartagena, o Brasil encontra-se numa situação muito peculiar, uma vez que ao mesmo tempo em que exibe considerável megabiodiversidade transformou-se também em grande exportador de OGMs. Desta forma, esse assunto não compete à CTNBio. Estou certo que as autoridades brasileiras responsáveis pela negociação dos termos do aludido protocolo terão a sabedoria necessária para defender os melhores interesses do Brasil.
Ainda quanto aos transgênicos, como será a fiscalização do plantio? Sabe-se, por exemplo, que foi encontrada soja transgênica em área de proteção ambiental.
- Não devo manifestar-me sobre este tema, uma vez que a fiscalização não está sob a responsabilidade da CTNBio que, lembro, é apenas uma Comissão Técnica de análise de risco. A fiscalização da presença de OGMs e seus derivados cabe, dependendo do assunto, ao Ibama, ao Ministério da Agricultura, à Anvisa e à Secretaria de Aqüicultura e Pesca.
O desenvolvimento de produtos transgênicos causou e causa polêmica junto à sociedade brasileira. Como a Comissão pretende fazer em relação à opinião pública, isto é, haverá divulgação para a imprensa dos produtos liberados?
- A lei 11.105/05 e o decreto 5.591/05 que a regulamentou, introduziram no marco legal da biossegurança brasileira alguns mecanismos de transparência e participação pública no processo decisório da CTNBio, principalmente no que se refere a eventos GM destinados à comercialização. Um deles, por exemplo, é a possibilidade de realização de audiências públicas com o objetivo claro de ouvir a população interessada sobre eventuais liberações para o consumo humano. Um outro mecanismo de transparência introduzido pela nova lei é a publicidade. Todos os atos da CTNBio estão sendo divulgados não apenas no DOU mas também em sua página eletrônica, no endereço http://www.ctnbio.gov.br. Lá, estão disponíveis para consulta pública a pauta das reuniões, os extratos prévios e os extratos técnicos de parecer, as atas, o calendário anual de reuniões e, em breve, o trâmite de todos os processos.
(Boletim do Acadêmico, 23/3)
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