Embrapa dará ênfase a transgênico comercial
No lugar de mamão e batata, algodão e cana terão prioridade
Herton Escobar
A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) está redirecionando o foco de seus estudos com plantas transgênicas. Os projetos de mamão e batata geneticamente modificados, que por muitos anos serviram como bandeiras sociais da biotecnologia aplicada ao pequeno produtor, serão descontinuados. A ênfase, agora, será no desenvolvimento de variedades transgênicas de cana-de-açúcar e algodão - produtos com maior perspectiva de sucesso comercial.
“Continuamos a acreditar que a biotecnologia tem espaço na pequena e média produção. Nenhum desses dogmas foi quebrado”, disse ao Estado o diretor-executivo da Embrapa, José Geraldo Eugênio de França. “Porém, precisamos ser mais seletivos. Temos que trabalhar com produtos que tenham chances reais de chegar ao mercado.”
Segundo ele, os projetos de mamão e batata, iniciados há cerca de dez anos, foram baseados em variedades que hoje não interessam mais aos produtores. Além disso, por se tratarem de alimentos de consumo direto, França acredita que seria muito difícil superar o receio dos consumidores com relação à transgenia - apesar de os produtos terem passado em todas as análises de biossegurança.
“Não tenho como colocar um produto desse tipo no mercado hoje, por melhor que seja. Estamos lidando com forças que nem sempre a ciência tem capacidade de superar”, disse.
Os transgênicos - plantas geneticamente modificadas em laboratório para serem resistentes a pragas e pesticidas - enfrentam forte resistência de organizações ambientalistas. Entre 1998 e 2002, os laboratórios da Embrapa ficaram praticamente fechados por causa de ações judiciais movidas pelas organizações Greenpeace e Instituto de Defesa do Consumidor (Idec).
Dos três projetos “sociais” originais (feijão, batata e mamão), só o do feijão resistente ao vírus do mosaico dourado continuará, graças a uma nova tecnologia chamada RNA de interferência, que promete ser menos polêmica do que a transgenia tradicional.
Em vez de inserir um novo gene para codificar uma nova proteína, os cientistas induzem a planta geneticamente a produzir uma pequena molécula de RNA que interrompe a síntese de uma proteína essencial para a replicação do vírus dentro das células.
Como não envolve síntese de proteínas, os pesquisadores esperam que o novo feijão seja mais bem aceito do ponto de vista da biossegurança alimentar.
Além, é claro, de ser bem mais eficiente. “Já testamos algumas plantas no campo com o vírus e nenhuma apresentou sintomas”, disse o coordenador do projeto na Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, Francisco Aragão. “A resistência é altíssima.” Ele espera que em menos de dois anos seja possível apresentar as primeiras variedades para liberação comercial.
NOVOS PRODUTOS
Os projetos de cana e algodão transgênicos já estão funcionando a todo vapor no Centro Nacional de Recursos Genéticos e Biotecnologia (Cenargen) da Embrapa, em Brasília. Segundo França, a priorização das duas culturas visa a atender demandas específicas do setor produtivo, especialmente com a nova ênfase na produção de biocombustíveis.
A meta é desenvolver variedades transgênicas de cana resistente a condições de seca (estresse hídrico) e aos ataques da broca gigante, uma importante praga das lavouras do Nordeste. A lagarta passa a maior parte da vida entrincheirada no caule da cana, fora do alcance dos inseticidas. “A única forma de controle é a remoção manual”, diz o coordenador do projeto no Cenargen, Eduardo Romano. Com a transgenia, os cientistas esperam capacitar a planta geneticamente para se defender da praga por conta própria, produzindo uma proteína tóxica para a lagarta.
Genes com essa característica já foram isolados de uma bactéria e transferidos com sucesso para plantas-modelo, como Arabidopsis e fumo (os “camundongos” da biotecnologia agrícola). Os testes com a cana devem começar em breve. O projeto está sendo desenvolvido em parceria com o Centro de Tecnologia Canavieira (CTC) e a Ridesa, uma rede de universidades que trabalha com melhoramento da cana.
Para resistência à seca, os genes vêm de outras plantas, como soja e café. Romano avalia que, com isso, será possível aumentar significativamente a produtividade dos canaviais, sem necessidade de expansão da fronteira agrícola. “Serão ganhos ambientais, sociais e econômicos muito positivos”, disse. No caso do algodão, o principal alvo é o bicudo, um tipo de besouro que não é combatido pelas variedades transgênicas disponíveis hoje no mercado.
Romano vê a mudança de prioridades como uma adequação necessária. “Não faz sentido continuar colocando dinheiro público em pesquisas que não vão chegar ao mercado”, disse. Os projetos da batata e mamão, segundo ele, tiveram um papel didático importantíssimo para a formação de pesquisadores e infra-estrutura de pesquisa. “Foi como aprendemos a fazer transgênicos.”
Fonte: O Estado de São Paulo - 21/07/07
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