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sábado, maio 05, 2007

Árvores transgênicas: ameaça à biodiversidade

Brasil de Fato, 25/04/2007

Pesquisadora dos Estados Unidos alerta que o Brasil está na mira de empresas que desenvolvem árvores geneticamente modificadas

Tatiana Merlino, da redação

A introdução de árvores geneticamente modificadas (GM) nas plantações de monocultura poderá destruir a biodiversidade, contaminar a água e o solo, piorar o aquecimento global, causar impactos sociais e culturais e ameaçar a saúde das comunidades rurais. Esse é o alerta de Anne Petermann, co-diretora do Global Justice Ecology Project (Projeto de Justiça Global Ecológica). Em visita ao Brasil, a estadunidense denuncia as conseqüências dessa opção: “essas árvores têm o potencial de mudar radicalmente e permanentemente as florestas do mundo”.

Segundo ela, o Brasil está nos planos da estadunidense ArborGem – líder mundial em pesquisas de desenvolvimento de árvores geneticamente modificadas – que pretende plantar as espécies GM no país em dois anos.

Em entrevista ao Brasil de Fato, a pesquisadora, que está coordenando uma campanha internacional contra as árvores GM, descreve a crescente resistência em todo o mundo às plantações de eucalipto e afirma que estas árvores estão sendo cultivadas experimentalmente nos EUA, no Brasil e no Chile, e que podem comprometer a saúde das florestas nativas e ameaçar as comunidades das florestas.

A pesquisadora, que participou de um seminário sobre os impactos da monocultura do eucalipto realizado de 18 a 20 de abril na Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), em Guararema, SP, compara os planos da ArborGen às ações da Aracruz Celulose, que tem destruído florestas nativas e tomado terras indígenas para suas plantações de eucalipto.

Brasil de Fato- Qual é a situação da monocultura de árvores geneticamente modificadas nos Estados Unidos?

Anne Petermann - Nas últimas décadas, as empresas de papel desmataram rapidamente as florestas nativas no Sul dos EUA e as substituíram por plantações estéreis de pinus que agora representam quase um de cada cinco hectares na região e 15% das terras dos Estados Unidos. No entanto, o plano para os próximos dez anos é de começar a plantar eucaliptos com tolerância ao frio. São eucaliptos geneticamente modificados que podem sobreviver ao inverno e podem ser colocados no sudeste dos Estados Unidos.

BF- Quais são os impactos dessas monoculturas para o meio ambiente e para as comunidades locais?

Anne- Os impactos são muito similares aos que nós vemos na América Latina. Em decorrência da monocultura, o corte e plantio das árvores é muito mecanizado e usa pouca mão-de-obra, e assim há escassos empregos. Há uma ampla área de terra ocupada por essa plantações, o que resulta em altas taxas de pobreza na sua região. Ou as pessoas têm que partir porque não têm como sobreviver, ou vivem lá de maneira muito precária. Há também muitos problemas de contaminação das plantações, que são afetadas pelos pesticidas que entram na água, além dos problemas de saúde.

BF- Qual o plano das empresas para as árvores geneticamente modificadas?

Anne- Uma análise das principais pesquisas sobre árvores geneticamente modificadas que estão sendo desenvolvidas atualmente mostra que elas têm os seguintes objetivos: resistência a herbicidas, insetos, esterilidade de árvores, menor conteúdo de lignina e maior conteúdo de celulose, resistência ao frio. No entanto, nenhuma dessas características pode ser vista como benéfica para a diversidade biológica global das florestas, que necessita de espécies de flora, insetos, flores e sementes, madeira resistente a fortes ventos, árvores e plantas adaptadas a ambientes locais, solos intactos e água suficiente. Além disso, as plantações de árvores GM se instalarão onde hoje existem florestas biologicamente diversas, seguindo a tendência das plantações de monoculturas que tem substituído florestas nativas no mundo inteiro. Isto tudo indica que árvores GM não são benéficas para a diversidade biológica global das florestas. As modificações genéticas estão sendo desenvolvidas por motivos industriais e não ambientais e, se liberadas, resultarão em plantações industriais com baixa diversidade, e desaparição de outros organismos vivos, reduzindo efetivamente a diversidade biológica de florestas.

BF- Quais são os argumentos utilizados pelas empresas para defender a plantação?

Anne - O argumento utilizado pelas empresas é o de que com as árvores geneticamente modificadas não precisaremos cortar árvores nativas, mesmo que a história mostre que isso é mentira, porque substituem as vegetações originais para colocar as plantações no lugar. As empresas também dizem que essas árvores são viáveis porque são modificadas para matar insetos, por exemplo. Elas não iriam precisar de pesticidas e assim menos químicos seriam aplicados. Mas isso também não é verdade. Primeiro, porque a árvore geneticamente modificada em si é um pesticida, cada célula tem um veneno dentro dela que vai entrando no solo, o pólen espalha o pesticida, e quando as pessoas inalam, pode causar problemas de saúde. Além disso, como é um pesticida que mata insetos que se aproximam das árvores, esses insetos podem ganhar resistência muito rapidamente. Assim, em algumas gerações, as árvores deixam de matar os insetos, os pesticidas acabam sendo inúteis, e há a necessidade de se utilizar mais e mais tóxicos. É um ciclo vicioso.

BF - Há perspectivas dos impactos que podem decorrer desse plantio?

Anne- As principais ameaças são a substituição da diversidade das florestas por monoculturas de árvores GM. Isto já acontece com monoculturas convencionais de árvores, como eucaliptos e pinus, e não existe razão para acreditar que isso seria diferente com árvores GM. Ao contrário, corporações como a ArborGen apontaram que a celulose obtida das plantações pode trazer lucros consideravelmente mais altos do que os de monoculturas convencionais, indicando que as corporações pretendem rapidamente implementar plantações de árvores GM em grande escala. Outra ameaça é a contaminação de árvores de espécies relacionadas. O pólen das árvores pode viajar longas distâncias e pode contaminar árvores tanto da mesma espécie quanto de outras espécies relacionadas em regiões e países inteiros. Isso significaria que as árvores nativas podem adquirir as características de GM.

BF - Há pesquisas científicas que tratem do assunto?

Anne- Uma das maiores críticas do movimento ambiental contra as árvores GM é que os estudos sobre os impactos são absolutamente insuficientes, não tratam seriamente dos impactos sociais ou para o meio ambiente. As empresas tentam argumentar que os impactos seriam os mesmos decorrentes da agricultura geneticamente modificada. Mas árvores não são como outras plantas, elas vivem por centenas de anos, passam por muitas mudanças biológicas. As pesquisas fazem projeções para 10, 15 anos no máximo, mas não temos como saber o que essas árvores estarão em 20, 30, 50 ou 100 anos. Afirma-se que pode transformar essas árvores estéreis e assim elas não vão contaminar outras árvores, mas não pode se garantir que as árvores ficarão estéreis por décadas. No entanto, temos que deixar claro que mesmo incompleta, a ciência mostra que a tecnologia poderia resultar na extinção de espécies de flora e fauna da floresta com sérios impactos negativos sobre a biodiversidade.

BF - Então não é possível saber o tamanho da ameaça que elas representam?

Anne- Para nós, a questão é: nós sabemos que há uma ameaça, mas desconhecemos seu tamanho. Os problemas causados pelas árvores geneticamente modificadas podem ser extremamente severos. Por exemplo, os insetos que são atingidos pelos pesticidas são as lagartas que alimentam os pássaros. Se os pássaros não têm alimento, ou comem essas lagartas envenenadas é muito ruim, e assim os impactos continuam. A ArborGen, maior companhia de árvores geneticamente modificadas do mundo, trabalha em parceria com a International Paper, que tem terras no Brasil, nos Estados Unidos e em muitos lugares do mundo, a MeadWestvaco sediada nos Estados Unidos e Rubicon sediada na Nova Zelândia. Eles não quiseram fazer os testes de plantação das árvores geneticamente modificadas na Nova Zelândia e, então, resolveram fazer no Brasil.

BF - Para quando são os planos para o Brasil?

Anne -Três empresas do setor da celulose estão desenvolvendo pesquisas de árvores geneticamente modificadas: Aracruz Celulose, Suzano e International Paper através da ArborGen. A Aracruz, em 1998, foi a primeira companhia a receber autorização da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) para testes de laboratório. A Suzano está financiando pesquisas com objetivo de diminuir a lignina e aumentar o conteúdo da celulose além de estar interessada em produzir uma árvore de eucalipto resistente à seca. Já a Internacional Paper é sócia da ArborGen. A Aracruz, a Suzano e a Internacional Paper estão envolvidas em pesquisas geneticamente modificadas porque acham que podem obter mais lucro com isso. Para o Brasil eles planejam plantar essas árvores nos próximos dois anos. O escritório da ArborGen é em Campinas (SP), e como geralmente a unidade é planejada para ficar perto de onde ocorrerá o trabalho de campo, tudo indica que as pesquisas de campo devem ser ali perto. No Chile e Argentina há planos para plantar pinus que resistem à insetos, já que esse tipo de árvore é mais tolerantes ao frio.

BF- Como as organizações estão mobilizadas para lutar contra isso?

Anne - Há uma campanha internacional contra as árvores geneticamente modificadas, uma aliança de grupos de todo o mundo. Nos Estados Unidos e Canadá, são 13 grupos, além de contarmos com os índios Mapuche do Chile e com a Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase), do Brasil. Estamos trabalhando por meio das Nações Unidas tentando banir globalmente essa tecnologia. A convenção das Nações Unidas para biodiversidade biológica será em maio do ano que vem na Alemanha e tratará do tema das árvores geneticamente modificadas. Os países não podem ignorar isso, e vamos fazer muita pressão para que isso não aconteça. Durante o encontro que aconteceu em Curitiba (COP/MOP), em 2006, avisamos os países do perigo potencial que as árvores GM representam. Do mesmo jeito que precisamos de uma monitoria em relação à questão do terminator, precisamos de uma monitoria às árvores.