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Este Blog foi originalmente criado para os eventos da COP-8 e MOP-3 realizados em março de 2005/Curitiba. Devido à importância de tais temas para a humanidade, a Revista Consciência.net continuará repassando informações relacionadas, incluindo comentários e matérias pertinentes. Boa leitura! Editores responsáveis: Clarissa Taguchi, Paula Batista e Gustavo Barreto. Da revista Consciência.Net - www.consciencia.net

quinta-feira, março 16, 2006

Vítimas do glifosato

Por Roberto Villar Belmonte

Curitiba, 16/03/2006 – O sofrimento invadiu nesta quarta-feira as negociações internacionais sobre biotecnologia que acontecem em Curitiba (OR), com os relatos de uma mãe paraguaia que perdeu o filho contaminado por agrotóxico e de um bairro inabitável por causa de venenos agrícolas em Córdoba, na Argentina. Esta semana acontece na capital paranaense a III Reunião das Partes do Protocolo de Cartagena sobre Segurança na biotecnologia (MOP-3).

A paraguaia Petrona Villasboa explicava à IPS as circunstâncias da morte de seu filho, Silvino Talavera, de 11 anos, 90 minutos antes do painel “Vítimas do agronegócio na Cúpula da Biodiversidade”, quando a polícia entrou no recinto. Os policiais procuravam dois ativistas estrangeiros das organizações que promoveram o painel, o Grupo de Reflexão Rural e a Rede por uma América Latina Livre de Transgênicos, acusados de terem entrado ilegalmente no país. A polícia alegou que diferentes pessoas entravam na sede da MOP-3 com a mesma credencial, por isso decidiu exigir vistos autorizados das “vítimas do agronegócio”. A ação policial foi suspensa com a intervenção diplomatas brasileiros e funcionários da Secretaria Geral da Convenção sobre Diversidade Biológica.

Por ser pobre e viver em uma comunidade sem assistência médica, Petrona não pôde salvar seu filho envenenado por três tipos de agrotóxicos. A criança sofreu um “banho químico” quando um braço de uma máquina de espalhar pesticidas invadiu a estrada por onde ela caminhava, com uma compra de carne. O fato ocorreu no dia 2 de janeiro de 2003 em Itapúa, no sul do Paraguai, em uma propriedade plantada com soja transgênica pertencente ao brasileiro Herman Relender. A carne contaminada foi consumida pela família. Depois de almoçar, Silvino sentiu dores no estômago e náuseas, os primeiros sintomas da contaminação.

Petrona, mãe de 10 filhos, pensou que havia resolvido o problema com um medicamento caseiro. Mas quatro dias depois, uma nova aspersão de agrotóxicos a 15 metros de sua casa, feita por outro agricultor, contaminou toda sua família. Com o acúmulo de veneno, Silvino não resistiu. “Ele me disse pela noite que já não sentia dor no estômago, mas nos ossos”, recordou a mãe. Na madrugada apareceram manchas de sangue no corpo do garoto. Desesperada, a mãe pediu transporte a um vizinho e o levou a um posto de saúde. O médico diagnosticou a contaminação, mas não pôde fazer nada por falta de medicamentos e equipamentos. Algumas horas depois, a criança já tinha o corpo paralisado e foi transferido para um hospital da cidade de Encarnación. Uma lavagem estomacal não deu resultado e Silvino morreu diante de sua mãe.

Aterrorizada, ele voltou para casa para levar a filha de 2 anos ao hospital, e conseguiu salvá-la. Fez o mesmo com os outros filhos, transportados em ambulância um dia depois. Uma análise do sangue revelou a contaminação por três tipos de veneno, um deles o herbicida glifosato, usado no cultivo da soja transgênica Roundup Ready, da multinacional norte-americana Monsanto. O caso está na justiça paraguaia. Petrona decidiu contar seu drama na MOP-3 para pedir ajuda internacional diante do poder dos produtores rurais que envenenaram sua família. Depois de ganhar na primeira instância na justiça, começou a receber ameaças de morte, contou. Hoje, dirige em seu departamento a Coordenação de Mulheres Indígenas do Paraguai, que reúne quatro mil camponeses.

As vítimas são mais numerosas no outro caso denunciado. São 500 moradores de todo um bairro da cidade argentina de Córdoba, Ituzaingó Anexo. É um bairro condenado pela aspersão de glifosato. Os casos de câncer, leucemia e má formação congênita aumentam desde que se viu cercado de plantações de soja sobre as quais aviões espalham veneno. “Há menos de um mês o médico Edgardo Schinden divulgou um estudo independente afirmando que nosso bairro não pode ser habitado. O governo de Córdoba não o reconhece e se propõe pavimentar ruas e instalar um posto de saúde, em lugar de eliminar a fonte da contaminação”, protestou Sofia Gatica, líder de um grupo de mães. Exames comprovaram a presença de diferentes tipos de veneno no sangue de 30 crianças, afirmou Gatica.

“As autoridades nos disseram que a contaminação está dentro de limites aceitáveis. Temos limite como contaminados? E as doenças que invadem nossas famílias?”, questionou a ativista argentina. A soja transgênica é “um cultivo sem agricultores, onde só se ouve o vento”, disseram os organizadores do painel de testemunhos. Uma publicidade da multinacional de sementes Syngenta, exibido no início do encontro, mostra um mapa que apresenta Brasil, Argentina, Bolívia e Paraguai com a “República Unida da Soja”. Isso “antecipou nossa interpretação. As multinacionais do agronegócio estão promovendo um novo colonialismo na América Latina, e o pior é que todos os prejuízos se produzem para alimentar animais na Europa e na China”, lamentou o argentino Jorge Ruli, do Grupo de Reflexão Rural.

Uma coalizão global de organizações não-governamentais aproveitou o terceiro dia da MOP-3 para protestar contra a Nova Zelândia, pois seus delegados estariam defendendo nas negociações a posição dos Estados Unidos, que não assinou o Protocolo de Cartagena e se opõe à identificação dos transgênicos no comércio internacional, mas adota um rígido controle destes organismos em suas importações. O Protocolo, em vigor desde setembro de 2003, está destinado a proteger a diversidade biológica dos riscos potenciais dos organismos vivos modificados (OVM) pela moderna biotecnologia, também conhecidos como transgênicos. Os Estados Unidos são o maior produtor mundial destas variedades obtidas em laboratório através da introdução de genes de outras espécies animais ou vegetais.

Os ambientalistas pediram à Nova Zelândia que não crie obstáculos nas negociações, negando-se a explicar sua posição contrária à identificação e documentação dos carregamentos internacionais de transgênicos destinados a alimentação humana e animal. “As leis de importação da própria Nova Zelândia estão entre as mais rigorosas do mundo. Com relação ao OVM, exige índice zero de contaminação e oferece uma rotulagem compreensível para o consumidor. Por que esse país impede que outros tenham controles semelhantes?”, questionaram os ativistas em nota distribuída aos jornalistas. A coalizão sugere que os cidadãos de todo o mundo rejeitem essas atitudes, protestando com o envio de e-mails para a primeira ministra da Nova Zelândia, Helen Clark.

Brasil e Suíça presidem o Grupo de Contato criado para destravar as negociações sobre rotulagem de transgênicos no âmbito do Protocolo de Cartagena. O embaixador brasileiro Luiz Figueiredo Machado disse à IPS que uma proposta de Brasília servia de base para a busca de um consenso sobre o parágrafo do Protocolo que trata da rotulagem de OVM, o mais polêmico. Machado, que co-preside o Grupo de contato, esperava concluir as negociações nesta quinta-feira. O Paraguai é o país que opõe maior resistência à adoção de um rótulo com a frase “contém OVM”, alegando que não poderá cumprir essa norma. A proposta brasileira prevê prazo de quatro anos de transição para que os países possam implantar sistemas de separação, armazenagem e identificação dos produtos transgênicos. (IPS/Envolverde)

Crédito: Peter Till